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O que o Incor precisa. Por Charles Mady

… Interesses pessoais não deveriam se sobrepor aos institucionais. Quanta decadência essa “filosofia” gerou? Quanto o Incor, e a Faculdade de Medicina poderiam ser mais se os concursos fossem caracterizados por mais mérito, e menos política?…

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O Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP é um patrimônio e orgulho da Medicina de nosso país. Entidade assistencial, de ensino, extensão e pesquisa de excelência, reconhecido internacionalmente, destacou-se desde sua fundação pelos altos índices acadêmicos atingidos. Há motivos para isso. Recursos humanos foram e são preparados, geração após geração, para manter a qualidade da instituição, dedicando-se com afinco para manter-se como referência, sendo um dos maiores destaques da Faculdade de Medicina e da Universidade à qual pertence.

Em sua trajetória, nos quase 50 anos de existência, atravessou momentos de glória, mas também de crises, algumas graves. Foram, e são todas devidamente resolvidas pela força de vontade e dedicação de seus integrantes que, mesmo sob condições adversas, souberam resolver com dignidade as dificuldades surgidas. Essas dificuldades nos ensinaram a diferenciar e reconhecer as boas e más gestões, elevadas a essas posições por regras oficiais, algumas vezes poluídas por interesses políticos corporativos poderosos. Essas forças geraram, e ainda poderão continuar gerando enormes prejuízos para a instituição, interferindo de forma destrutiva em nossas gestões.

As gestões são comandadas academicamente, como em todas as Unidades da USP, por Professores Titulares, juntamente com seus associados e auxiliares, formando uma equipe com convergências, mas também muitas divergências que, se não forem bem administradas, podem levar a grandes prejuízos. São cargos que requerem experiência, conhecimento, equilíbrio, diálogo e dedicação. Qualquer empresa não evolui sem uma chefia competente. Essa competência deve se mostrar com frequência, com a presença dos responsáveis. Portanto, aqueles com interesses maiores que não os internos da casa deverão ser julgados dando a devida importância a esse critério. Todos têm interesses externos, que não deveriam prejudicar os interesses internos. Estes merecem a atenção maior do dirigente.

Alguns dizem que todo concurso para essa posição é eminentemente político, opinião que trouxe malefícios incalculáveis, pois o cargo é vitalício. Infelizmente, certos segmentos da academia insistem em pensar que o lado político é o que basicamente determina os resultados em nosso meio. Reconhecemos alguma verdade nessa forma de pensar, pois a política é necessária, mas dentro de limites lícitos. Esse item, sem dúvida, deve se fazer presente, mas não na intensidade e imoralidade por nós vivenciada.

Devemos criticar a utilização dessa política sem limites, para beneficiar corporativismos, com interesses outros, e não os institucionais. Interesses pessoais não deveriam se sobrepor aos institucionais. Quanta decadência essa “filosofia” gerou? Quanto o Incor, e a Faculdade de Medicina poderiam ser mais se os concursos fossem caracterizados por mais mérito, e menos política?

Estamos próximos de um concurso para Professor Titular, na cadeira de cardiologia clínica, que já foi ocupada pelo Professor Luiz V. Décourt, demonstrando muito bem o peso e a responsabilidade de seu futuro ocupante. Na ocasião, os pretendentes eram, e deveriam ser selecionados por suas vidas acadêmicas, pela produção intelectual e qualidade de comando, além da aceitação e respeito por parte dos recursos humanos.

Tinham uma característica, que talvez esteja sendo ultimamente desvalorizada, que era a paixão pela casa. O Incor era o item fundamental e primeiro em suas carreiras. Era a segunda casa à qual se dedicavam, muitas vezes sacrificando a primeira. Essa herança, essa forma de administrar pode ter sido negligenciada em determinadas ocasiões, mas o exemplo e as lições se mantiveram em determinados setores, deixando alguns discípulos com essa formação.

Em nosso próximo concurso os candidatos serão muitos, todos com currículos acadêmicos invejáveis. Mas, o currículo é suficiente? O futuro ocupante dessa cadeira deveria ter certas características, algumas já comentadas, para realizar uma boa gestão. Todos são membros da instituição, não havendo professores de outros serviços. Pelo momento que o Incor atravessa, talvez esse fato seja vantajoso, pois o profundo conhecimento da casa torna-se fundamental na atual situação. Acho saudável que haja candidatos de outros centros, mas a realidade atual torna o conhecimento da casa requisito importante. E que a banca a ser escolhida tenha algum conhecimento da dinâmica do serviço, sem poluições políticas.

Estas são opiniões de um Professor Associado sênior, que viveu e vive o Incor desde o seu nascimento, e que já assistiu a inúmeros concursos, e participou de um para Professor Titular que, em determinado momento, foi anulado por fraude.

Portanto, os pensamentos aqui colocados são pessoais, mas consequentes a toda uma vida acadêmica desenvolvida na mesma instituição. Os erros vivenciados constituíram um enorme aprendizado, e nos ensinaram a fazer melhor, enfim, evoluir. Os candidatos devem entender que essa é a maior missão profissional de suas vidas. Devem saber ouvir, agregar, deixar o varejo da vida de lado, participando ativamente, não permitindo que fatores políticos corporativos predominem em suas condutas, para benefício do Incor.

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–  Charles Mady,  Médico e Professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP

charles.mady@incor.usp.br

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