Os diplomatas brasileiros, com a mão nervosa e cheia de dedos, estão dando tratos à bola para entender a razão de um milhar de cidadãos de outros países já terem sido contemplados com a liberação enquanto nossos conterrâneos continuam no angustiante chá de cadeira…

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Até esta terça-feira 7 de novembro, nenhum brasileiro foi autorizado a deixar a Faixa de Gaza. Assim como outros milhares de estrangeiros e binacionais, nossos compatriotas são obrigados a passar privações e a continuar vivendo sob bombas até receberem permissão para deixar aquele inferno.

Os diplomatas brasileiros, com a mão nervosa e cheia de dedos, estão dando tratos à bola para entender a razão de um milhar de cidadãos de outros países já terem sido contemplados com a liberação enquanto nossos conterrâneos continuam no angustiante chá de cadeira.

A pergunta que dói é: “Por que já autorizaram tantos americanos, ingleses, franceses, alemães, e nos deixaram pra trás?”. À primeira vista, se poderia concluir que os países desenvolvidos têm preferência e os do Terceiro Mundo vêm no fim. Será?

Que há uma hierarquia entre países, parece evidente. Israel, responsável pelas autorizações, não escolhe os premiados no palitinho. Há um método, que não tem nada a ver com a oposição entre países ricos e países pobres. Para entender, há que ter em mente a própria formação do Estado de Israel.

Criado por decisão da ONU, ao final da Segunda Guerra, Israel se encontrou diante da hostilidade dos vizinhos árabes desde o primeiro momento. Os 75 anos que decorreram da criação do país até aqui estão coalhados de escaramuças, conflitos e guerras de verdade. Curtos momentos de quase-paz se alternaram com erupções de violência. O povo e o governo israelense são obrigados a manter-se em estado de alerta permanente.

Um Estado que vive na angústia constante de ser atacado a qualquer momento não divide o mundo entre países ricos e países pobres. A divisão, na verdade, é entre países amigos e países inimigos. Pode-se também falar em países amistosos vs. países inamistosos.

Em pronunciamentos feitos desde que a guerra estourou, nosso presidente deixou transparecer certa simpatia pelos palestinos, deixando os israelenses em segundo plano. Isso, sozinho, não seria suficiente para fazer o Brasil entrar na lista de países inimigos. Mas Lula foi além. Em uma ocasião, pisou mais fundo no acelerador.

Foi há duas semanas atrás que, em fala solene proferida com fundo de bandeira nacional e brasão de armas da República, Lula não deixou por menos. Referindo-se ao conflito em Gaza, afirmou que aquilo “não é guerra, é genocídio”. Tropeçou feio.

To constitute genocide, there must be a proven intent on the part of perpetrators to physically destroy a national, ethnical, racial or religious group.

A palavra genocídio não se pode utilizar assim, de supetão, na hora da raiva. O termo tem definição oficial, em vigor desde 1948, quando foi adotada a Convenção do Genocídio, ratificada por praticamente todos os países do planeta.

Para constituir genocídio, deve haver uma intenção comprovada por parte dos perpetradores de destruir fisicamente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Como se vê, a definição é objetiva, restrita, autoexplicativa. Ao acusar Israel de estar praticando genocídio, Lula simplesmente acusou o país de estar tentando eliminar fisicamente o povo palestino. No exato instante em que a frase foi pronunciada, Israel transferiu o Brasil para a lista dos países inamistosos.

Não precisa procurar mais longe. Para um povo que se sente permanentemente acuado, bastou uma palavra. Enquanto Lula não se retratar (o que me parece difícil), o Brasil vai permanecer entre os países dos quais Israel desconfia.

Certos pronunciamentos levianos, além de não ajudar ninguém, atrapalham. Com tanta desgraça interna, não precisamos cavar inimizades no exterior.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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