FACULDADE NEM TANTO RISONHA

FONTE: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

Faculdade franca, mas não tão risonha. Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira

Não tão risonha… Esse foi um tempo no qual os estudantes de direito assumiram a vanguarda do movimento pela redemocratização do país.

RISONHA
PUC SP

PUBLICADO EM “MARIZALHAS”, MIGALHAS, EDIÇÃO DE  22 DE NOVEMBRO  DE 2023

Em texto anterior mostrei que a vida acadêmica do meu tempo se desenvolvia em vários setores com muita intensidade e participação abrangente. Difícil apontar um colega que não tenha tido atuação em algum desses setores: cultura; esporte; artes; política acadêmica ou externa; boêmia. A Faculdade nos proporcionava enormes oportunidades para termos múltiplas experiências na vida em sociedade. Ao lado da formação profissional adquiríamos valioso conhecimento do mundo e dos homens.

Os eventos políticos da minha época na Faculdade  impulsionaram os estudantes para uma rica atividade voltada para a redemocratização do país. Em verdade a nossa luta ainda era para que a democracia não sucumbisse. A luta foi em vão. Após 1964 o regime militar, implantado mercê de um golpe, foi se consolidando e as franquias do regime constitucional foram sendo aniquiladas, até que em 1968 veio a derrocada com o ato institucional nº 5.

Havia na Católica duas correntes que divergiam sobre os métodos de combate à ditadura. Uma delas pregava um ativismo que poderia chegar até a luta armada. Os seus integrantes constantemente saiam às ruas em passeatas e para  comícios que em várias ocasiões terminavam com a intervenção da polícia.

A outra corrente, à qual eu pertencia, entendia que a oposição ao regime recém implantado deveria ter como foco os meios de comunicação, os que escapavam da censura, a assembleias e, especialmente, o contato com entidades profissionais, sindicatos, clubes, associações culturais e outros agrupamentos. Nós criticávamos as demonstrações de violência pois entendíamos que elas estariam dando ensejo ao endurecimento do regime. O nosso vaticínio foi cumprido, com o ato institucional de 1968.

Nas assembleias e reuniões internas, esses dois grupos se opunham,  mas o adversário comum que era o regime ditatorial os unia, pois ambos o combatiam com ardor embora de forma diferente.

Houve uma ocasião em que nós “tomamos” a Faculdade impedindo que houvesse aulas. Nosso gesto quis mostrar que era impossível a normalidade da vida universitária sem a liberdade que nos fora subtraída. Os colegas do Largo de São Francisco também ocuparam a Faculdade na mesma ocasião.

Centro Acadêmico 22 de Agosto
Arquivos Centro Acadêmico 22 de Agosto – Fonte: Grupo Prerrogativas

Apesar dos tempos sombrios de repressão, prisões, censura, tortura, cerceamentos e limitações  de toda ordem os acadêmicos não perderam as suas tendências para brincadeiras, galhofas, divertimentos. A alegria, no entanto, não substituiu as preocupações com a redemocratização do país.

Como disse, o empenho pela volta à normalidade democrática possuía duas vertentes, representadas pelas duas facções que se utilizavam de métodos diversos. A mais agressiva quando da “tomada” da escola, colocou no sótão alguém armado, para talvez defender o prédio de eventuais invasores dos aparelhos das forças da repressão. Imaginem se isso seria possível? . . .

Eu mesmo testemunhei o empenho bélico de alguns estudantes. Certa manhã, no centro acadêmico 22 de agosto localizado em frente à Faculdade, abri um carrinho de Fanta para tomar uma, quando me deparei não com os refrigerantes, mas sim com coquetéis “molotov”. O carrinho transportava garrafas com pano na borda embebido de álcool ou gasolina.

Esse foi um tempo no qual os estudantes de direito assumiram a vanguarda do movimento pela redemocratização do país. Não obstante a desigualdade de armas o combate foi permanente e aguerrido, pouco importando os métodos utilizados, todos nós lutamos e eu muito me orgulho por ter participado dos embates em prol da liberdade.

 https://www.migalhas.com.br/coluna/marizalhas/397304/faculdade-franca-mas-nao-tao-risonha

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado criminalista, da Advocacia Mariz de Oliveira. Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Conselheiro no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e atuou como Secretário de Justiça e Secretário de Segurança Pública de São Paulo nos anos 1990. Foi presidente da AASP e da OAB-SP por duas gestões. 

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