cantil

by Kleber Sales, desenhista

… Bastava ele ter dito “Vou liberar a venda de água nos estádios, mas aconselho a cada um trazer sua própria água no cantil!”. Fora do Brasil, está cada dia mais comum ver pessoas carregando um cantil com água para consumo próprio…

cantil
by Kleber Sales, desenhista
Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor

 Outro dia, uma moça bonita e jovem viajou horas pra chegar ao Rio. Estava realizando o sonho de assistir ao vivo a um show de sua cantora preferida. Mas o destino foi cruel. O tempo tórrido, o estádio lotado, a atmosfera abafada e a falta d’água foram além do que a jovem podia suportar. Ela sentiu-se mal e, em que pese o rápido atendimento médico, perdeu os sentidos e não os recobrou mais.

O fato fez as manchetes da imprensa, se esparramou pelas redes, despertou comoção. Morte de pessoa jovem comove sempre. Rapidamente se descobriu que os organizadores do evento haviam proibido que o público entrasse com água para consumo próprio. Assim que a notícia correu, um dos primeiros a se manifestar foi nosso ministro da Justiça. A chamada de importante jornal carioca online informou que “após morte de jovem, Dino manda shows permitirem garrafas de plástico e água grátis”.

Ao dar a ordem, Sua Excelência perdeu belíssima oportunidade de incitar a população a abandonar o uso de recipientes plásticos descartáveis. Na era dramática que vivemos, de aquecimento global e mudança climática, toda diminuição no consumo de derivados do petróleo são bem-vindas. Bastava ele ter dito “Vou liberar a venda de água nos estádios, mas aconselho a cada um trazer sua própria água no cantil!”.

Fora do Brasil, está cada dia mais comum ver pessoas carregando um cantil com água para consumo próprio. Estudantes, ciclistas, trilheiros a pé, gente a passeio e cidadãos conscientizados são costumeiros do hábito de levar sua garrafinha d’água. Sai mais barato que água comprada, faz bem ao bolso e à natureza. É a generalizada consciência ecológica, que ainda não temos.

Para decepção dos negacionistas climáticos, fenômenos atmosféricos têm se tornado cada vez mais extremos e mais frequentes desde que entramos no novo milênio. Incêndios florestais na Sibéria, temperatura saariana na Inglaterra, inundações devastadoras no Rio Grande do Sul, furacões com ventos de 300 km/h, sensação de 60 graus no Rio – são eventos extremos que se multiplicam e preocupam autoridades e governos do mundo inteiro. A Austrália acaba de regulamentar a acolhida, como refugiados climáticos, dos habitantes de Tuvalu, país independente do Oceano Pacífico que vai pouco a pouco sumindo sob as águas.

Em outras partes do mundo, a população – os jovens especialmente – estão cientes de que o problema maior do planeta não está na política rasteira, nem nas guerras, nem nas alianças. A ameaça principal que paira sobre a humanidade é o desregramento climático. A situação que se antevia para 2050 já chegou, quase vinte anos adiantada.

No Brasil, até poucos anos atrás, não se sabia o que era um ciclone extratropical. Hoje, o fenômeno tem assolado o sul do país e ceifado vidas. Só este ano, já vieram dois desses eventos. A exorbitante onda de calor que nos atingiu este mês veio fora dos padrões. Sua extensão, sua força e sua duração escapam aos parâmetros. Praticamente o território nacional inteiro foi assolado.

A população brasileira tem de ser conscientizada para as mudanças climáticas, que nos anunciam um futuro complicado. Em vez de anunciar subsídios para quem comprar carro com motor a explosão, como fez o governo este ano, a ênfase tem de ser posta no paulatino banimento do petróleo e na adoção da energia limpa. Ao oferecer prêmio para o povo sair por aí envenenando o ar que respira, o governo está fazendo exatamente o oposto do que deveria.

Dizem que a orquestra do Titanic continuou tocando enquanto o navio afundava. É verdade que os músicos nada podiam fazer para evitar o naufrágio. Nós podemos. Portanto, não vamos ficar tocando flauta. A catástrofe planetária já começou, mas ainda temos tempo de amenizar o estrago. Compete a nosso governo investir em propaganda institucional para levar a informação a todos. Cabe também às autoridades desenhar um programa para implementar todos os conselhos de bom senso que ajudem a população a modificar seus hábitos.

Se os habitantes de um pequeno país adotarem comportamento amistoso com relação à natureza, será boa ideia, mas de pouco impacto. O Brasil tem território vasto e população importante. Se os brasileiros se conscientizarem de que cada um pode agir em favor da natureza, será um movimento de grande alcance. No fundo, a natureza somos nós. Chega de fomentar nossa própria perdição.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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