Musk

Musk, o TOD poderoso. Por Myrthes Suplicy Vieira

… Não conheço o histórico de vida de Elon Musk, mas por tudo que já li a respeito de suas ações no comando do X, da Tesla e da Space X, além de suas relações com Trump e outras figuras de extrema direita no mundo e dos incontáveis conflitos que tem provocado com o sistema judiciário de diversos países, posso afirmar, sem sombra de dúvida, que ele se enquadra no diagnóstico de personalidade TOD, o transtorno opositor desafiador…

Musk

 

Sabe aquela criança que passa o dia inteiro jogando videogame e, quando a mãe o chama para comer, ele responde “Agora não, mãe. Não estou com fome”? E, quando a mãe insiste, ela responde com agressividade: “Não enche, mãe, deixa de ser chata, estou quase passando de fase”. E, pela terceira vez, quando a mãe ameaça recorrer ao pai para ser obedecida, ela replica: “Tudo bem, não tô nem aí, pode chamar”. E, se finalmente ela perde a cabeça e bate no filho, ele reage com deboche: “Pode bater, não tá nem doendo!”.

Não conheço o histórico de vida de Elon Musk, mas por tudo que já li a respeito de suas ações no comando do X, da Tesla e da Space X, além de suas relações com Trump e outras figuras de extrema direita no mundo e dos incontáveis conflitos que tem provocado com o sistema judiciário de diversos países, posso afirmar, sem sombra de dúvida, que ele se enquadra no diagnóstico de personalidade TOD, o transtorno opositor desafiador.

O TOD é comumente originado na infância e, embora não tenha uma causa específica, o risco de seu desenvolvimento costuma ser maior se os pais também têm a disfunção ou se a criança é abusada por eles e exposta a um ambiente hostil. Li recentemente que Musk teve um pai extremamente abusivo, que lhe infligia severos castigos corporais e desdenhava de suas emoções e comportamentos. Além disso, foi vítima de muito bullying na escola, tendo sido hospitalizado certa vez em decorrência de um espancamento de colegas. Em recente declaração, ele próprio admitiu “não dominar os códigos sociais”, isto é, ter dificuldade de reconhecer e entender as emoções de outras pessoas. E, por ser também portador da síndrome de Asperger (uma forma leve de autismo), como ele próprio alega, só é capaz de apreender o significado literal das palavras.

Ele diz lutar, por exemplo, pela liberdade de expressão – e, para ele, o conceito de liberdade é sem limites, não estar sujeito a nenhum tipo de amarra ou impedimento externo. Daí o corolário de que quem se opõe a esse “direito” é um “ditador brutal”.

É fácil para qualquer um perceber que ele gabarita nos sintomas do TOD, dentre os quais estão: desobedecer a regras, importunar intencionalmente outras pessoas, mentir e/ou agir por vingança ou com crueldade. O ponto fulcral do transtorno é, portanto, opor-se e desafiar toda e qualquer figura de autoridade, reafirmar que não há nenhuma superior à própria.

É como se ele tivesse de repetir todos os dias para seus desafetos: “Eu posso mais do que você”. O fato de ser um bilionário agrega ainda mais arrogância ao seu perfil: não importa quantos clientes ele perca por dia, quantos funcionários o processem, o quanto a lucratividade de suas empresas esteja em declínio, a espiral de negação da importância dos outros em sua vida não para de se alargar. Nem é preciso dizer que, a despeito da minha necessária solidariedade ao sofrimento emocional que certamente aflige o ego de Musk, fica evidente que ele jamais conhecerá limites para se impor. E a melhor – quiçá a única – maneira de lidar com ele é deixá-lo falando sozinho, simplesmente forçando-o a arcar com as consequências legais de suas falas e feitos.

No caso do recente embate com o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, Musk parece ter encontrado sem querer um competidor à altura. Radicalmente inflexível no julgamento de qualquer um que questione seu poder e sua autoridade, Moraes parece ter caído na armadilha preparada por Musk e seus aliados bolsonaristas. O que o clã Bolsonaro não conseguiu fazer em 4 anos no poder, Musk se divertiu fazendo em 2 ou 3 madrugadas insones. A promessa de reabilitar os perfis bloqueados por Moraes, “mesmo que o X tenha de sair do Brasil’, equivale a repetir, como a criança rebelde sem causa, “Você não manda em mim”.

E, como diz um velho provérbio, quando dois elefantes brigam quem paga é a floresta. É difícil avaliar quem mais sai perdendo com essa insana troca de chumbo. Embora à primeira vista o conflito tenda a favorecer as hostes bolsonaristas, em especial nas próximas eleições municipais, uma consequência imprevista das bravatas de Musk ainda pode mudar a direção dos ventos: desenvolveu-se no Facebook uma campanha para estimular o abandono imediato do X como uma espécie de questão de honra da brasilidade, à qual já aderiram inúmeros jornalistas, artistas, intelectuais e subcelebridades, além de boa parte do eleitorado não-bolsonarista. Muitos políticos, mesmo constrangidos, querendo evitar a contaminação de sua imagem para os próximos pleitos, uniram-se em torno de Moraes e passaram a defender a regulamentação urgente das redes sociais.

Além disso, a retomada da polarização ideológica acabou sendo aproveitada por muitos para desqualificar mais uma vez o senso de “patriotismo” das hostes bolsonaristas. Esse é um fenômeno que já vi acontecer em outras circunstâncias: quando nordestinos discutem entre si, as diferenças de costumes e de linguajar tendem a ser apontadas acidamente, mas quando um sulino ou sudestino se junta à discussão, os nordestinos imediatamente se unem em bloco para refutar a superioridade dos brasileiros de outras regiões.

E, para os autoproclamados defensores da democracia e do estado de direito, mesmo os irritados com o protagonismo e a politização do STF, Moraes passou a simbolizar uma espécie de salvador da pátria, um pai de punho firme capaz de peitar e aniquilar quem ameaça o bem-estar de seus filhos – um papel pra lá de paradigmático para os brasileiros, convenhamos.

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(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

 

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