AUTODESTRUIÇÃO

Autodestruição. Por Aylê-Salassié Quintão

AUTODESTRUIÇÃO?

NEM TUDO É AUTODESTRUTIVO: HÁ QUEM SAIBA O QUE ESTÁ FAZENDO 

 

AUTODESTRUIÇÃO

Em um momento em que o Produto Interno Bruto parecia em declínio e o desemprego aumentava, Dilma Rousseff, que assumira a Presidência da República como uma expert em economia, tirou do bolso do casaco a lâmpada de Aladim – seu instrumento metodológico -, e propôs a desoneração fiscal e previdenciária para alguns setores produtivos estratégicos. Estendia o privilégio para milhares de pequenos municípios. A benesse entrou em vigor em 2012. A medida possibilitaria a criação de 151 mil novas oportunidades de trabalho no País.

A ideia luminar, de caráter temporário, ignorava vícios históricos na relação entre o Governo Federal, os entes federativos caloteiros e aventuras privadas com o dinheiro público. O propósito anunciado era proteger setores, sobretudo exportadores e empregadores, que encontravam dificuldade de competir no exterior, e municípios pequenos produtores de alimentos.

Os setores produtivos passaram a recolher ao Estado valores relativos a alíquotas de 1 a 4,5% sobre a receita bruta, ao invés de 20% sobre a folha de salários para Previdência Social. A contratação e a manutenção de trabalhadores naquelas empresas além de custar menos, possibilitaria aumentar o salário médio em torno de 10 %. Teria chegado a 12,7% mais alto que a média de cada setor. Seria dado um passo significativo para inverter a espiral decrescente na economia e no emprego.

Os áulicos e oportunistas logo surgiram defendendo a ideia, alegando que a medida iria proteger a produção e o consumo. Hipoteticamente, entretanto, o tema parecia ter uma relação de proximidade com a política. Procurava-se ganhar tempo para expandir o Poder e dar perenidade às conquistas partidárias. Inconfessadamente, tentava-se fazer uma experiência hegemônica, tendência ainda modesta, de intervenção no sistema produtivo, e de cooptação de milhares de prefeituras: bem ao estilo chinês. Já se havia passado pelo modelo das empresas campeãs, aquelas que liderariam o processo de desenvolvimento e que consumiram volumosos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social a custos baixíssimos, e alguns calotes.

No início, eram, entretanto, poucos os setores selecionados para beneficiarem-se dos privilégios da desoneração. Mas, no final dos três primeiros anos de vigência da medida, o número saltou para 56 segmentos e quase cinco mil municípios. Distraídos pela politicagem, os burocratas da Fazenda olhavam de longe o déficit fiscal que se anunciava, Era uma espécie de transferência de renda. O Governo abrira mão de uma parcela significativa de sua arrecadação. Fazia um caminho inverso ao das despesas, gerando ameaça de déficits elevados nas contas públicas, que evoluíam rapidamente.

Prorrogados os prazos da temporalidade em duas ocasiões, o privilégio encerrava-se em dezembro deste ano. Um projeto de lei, no.334/23, do senador Efraim Filho (União-PB), aprovado no Congresso,  prorrogou mais uma vez o fim da desoneração para 2027, beneficiando ainda  17 segmentos da economia, entre os quais a indústria de  calçados , de vestuário, da construção civil, os transportes, e os milhares de pequenos municípios. Estados e municípios tentaram desgarrar-se da intervenção do Executivo. Não deu certo.

Observados com seriedade, os resultados anunciados lá atrás não pareciam tão verossímeis, além do que surgira uma iniciativa que lhe tirava dos atuais governantes o possível mérito da prorrogação. O Planalto vetou as pretensões dos reoneradores, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal, sob o argumento da inconstitucionalidade do PL 334/23 que, “ceteris paribus“, caiu, sem surpresa, nas mãos do ex-advogado de Lula, Cristiano Zanin, alçado recentemente à condição de ministro naquela Corte. Zanin acompanhou os argumentos do Presidente, produzindo uma nova crise entre os três Poderes, e reabrindo a oportunidade de negociação para o partido do Governo.

Os vetos de Lula e a liminar de Zanin geraram dezenas de desafetos entre representações empresariais e mesmo de trabalhadores, fazendo aflorar algumas chantagens argumentativas, aparentemente negociáveis: o segmento de transportes prevê um aumento nas tarifas de ônibus em todo o Brasil; o de calçados projeta uma perda de 20 por cento na produção, exportação e de até o desaparecimento de um milhão de empregos. As representações corporativas empresariais denunciam a insegurança jurídica que está tomando conta da economia. Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, questiona a interferência do STF nas decisões parlamentares. Arthur Lira, da Câmara, quer reposicionar o Legislativo ante a crescente judicialização das iniciativas do Congresso, e invalidar decisões monocráticas dos ministros do STF.

Para o Ministério da Fazenda – o único que parece sério nessa história -, a renúncia fiscal da desoneração está estimada em cerca de R$ 9,4 bilhões. A liminar da inconstitucionalidade leva a medida introduzida por Dilma a perder efeito imediato. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco recusa o veto presidencial e à liminar monocrática de Zanin, a um projeto aprovado por ampla maioria no Congresso. Se essa reação não tiver efeito, a cobrança desses impostos começa imediatamente, já em maio. Nessa altura, quem está salvando a desoneração é o pedido de vistas do ministro Luís Fux, que a prorroga por noventa dias.

Lula ganha tempo. Retoma ao palco e expõe, enfim, os propósitos partidários pré-eleitorais, anunciando-se disposto a negociar. Em sendo assim, discordo parcialmente do Vinicius Torres: Nem tudo é autodestrutivo. Pode ser de construção difícil, mas tem economistas e “think tanks” para isso também.

Assistindo de longe, Dilma é recebida pelo Papa, em Roma.

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

Autor, entre outros, de Lanternas Flutuantes:
Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
novo livro de Aylê-Salassiê: TERRITÓRIO LIVRE!

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