Pigmalião e Galatéia

by Anne-Louis Girodet de Roussy

Pigmalião e Galatéia. Por Antonio Contente

Pigmalião foi um escultor mitológico grego que, aporrinhado com o mundo, se isolou numa ilha. Lá, porém, acabou por sentir falta de companhia, daí esculpiu, em marfim, uma estátua de mulher, a quem chamou Galatéia…

Pigmalião e Galatéia

Pigmalião foi um escultor mitológico grego que, aporrinhado com o mundo, se isolou numa ilha. Lá, porém, acabou por sentir falta de companhia, daí esculpiu, em marfim, uma estátua de mulher, a quem chamou Galatéia. Só que a obra ficou tão perfeita, que o artista se apaixonou por ela. Conseguindo, por fim, graças à intervenção dos deuses, transformá-la em linda criatura de carne e osso. Com quem casou e até teve filhos. Bom, essa história tem rolado por aí ao longo dos séculos. Talvez sua adaptação mais conhecida tenha sido feita pelo dramaturgo inglês Bernard Shaw, que escreveu  peça sobre o tema; obra que terminou por virar filme de enorme sucesso em 1964, dirigido por George Cukor. É bem provável que você, que me lê, tenha visto “My Fair Lady”. Que outra não era senão a Galatéia (Audrey Hepburn) esculpida, em technicolor, pelo professor Higgins/Pigmalião (Rex Harrison).

Façamos um corte para cair no ano de 1968, quando a situação política por aqui era braba sim, mas as pessoas, nem por isso, deixavam de viver. São dez horas da manhã, no Mercadão campineiro, onde Pedro, um universitário abastado, costumava não só fazer compras, mas também passear ou papear com o infelizmente já falecido jornalista Neldo Cantanti, lendário repórter fotográfico, no não menos lendário buteco do “Pachola”. Uma vez, antes de encontrar o famoso interlocutor, o moço comprou um saco com laranjas; que, inesperadamente, se rompe e as  frutas caem no chão. Saída do nada a mocinha de uns 18 anos passou a ajudar na cata do que se espalhara. Ao término Pedro, finalmente, se vê diante da criatura, a quem agradece. Repara, então, que a mocinha não estava em bom estado. Primeiro porque, ao sorrir, mostrou dentes ruins; e melhor não eram roupas, sapatos, cabelos, unhas etc.

         — Venha – o estudante apontou – vamos fazer um lanche.

Antes mesmo que ela terminasse o sanduíche que comia com sofreguidão, nosso amigo já começara a bolar jeito de ajudar a criatura que, apesar das deficiências apontadas, mostrava tênues vapores de beleza. Terminada a refeição, o rapaz marcou encontro para o dia seguinte, no mesmo lugar.

Exatamente então começou a esculpir. Iniciou levando-a a um dentista amigo para início de tratamento; depois, a algumas lojas na Treze da Maio para comprar roupas e sapatos. A segunda etapa envolveu vigoroso tratamento de beleza num dos bons salões do Cambuí, além da retirada da moça do quartinho vagabundo em que morava perto da estação: nosso herói instalou-a num pequeno apartamento seu, no centro, que usava como garçonière. Outras etapas entraram no processo e, em coisa de dois meses o Mecenas, que até então não havia tocado num só cabelo da moça, resolveu tocar, pois sobre ela já convergiam olhares quando passava pelas ruas. Resolveu mas, na hora agá, por uma dessas reações que só Freud explicaria, não consegue. Todavia, a elaboração da escultura vai em frente, até com um cursinho para que a garota se tornasse secretária. E o primeiro encontro, que sucedera no Mercadão, já ficara mais de ano para trás.

         — Pedro – ela diz para ele, certa manhã – me ofereceram emprego em São Paulo.

         — Se for bom, vá – ele aconselhou.

Para a despedida, resolveram fazer lanche no mesmo local onde estiveram após a queda das laranjas. Depois andaram pelo Mercado e, num dos boxes, o rapaz avista um crucifixo de madeira trabalhadinho, lindo, preso a uma corrente. Compra e coloca no pescoço da já linda mocinha. Foi a última vez que se viram.

Agora pulamos para 1988, vinte anos depois dos acontecimentos narrados. Ia Pedro a caminhar por um shopping de São Paulo quando, de repente, ouve alguém chamá-lo pelo nome. Volta-se para dar de cara com uma mulher belíssima, elegantíssima, que sorria à sua frente. Olha e, incrédulo, aponta, as mão tremendo:

         — Você… É você?

         — Sim, claro, exatamente eu, em carne e osso. E como você vê, agora com quase 40 anos e dois filhos, muito mais carne do que osso

Sentaram, conversaram e Pedro começou a achar que estava tomando parte num filme. Por fim, quando se levantaram para ir embora, ela disse que queria lhe mostrar uma coisa:

         — Claro, vamos lá, mostre – ele pede.

Calma, ela abre a blusa de fina seda azul e mostra o colo. Onde repousava, na mesma corrente, o mesmo crucifixo que ganhara, certa manhã, no Mercadão campineiro…

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Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

 

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