Se Queres a Paz, Prepara-te para a Guerra. Coluna de Jarbas de Barros

Se Queres a Paz, Prepara-te para a Guerra. 

Apresentação do Espaço Defesa & Segurança, no Chumbo Gordo. Por Jarbas de Barros.

Talvez seja pouco criativo começar um artigo com uma frase de “A Arte da Guerra”, quando o ensinamento de  Sun Tzu já virou lugar-comum. Mas, se fazer apologia à guerra é insano, negá-la é hipócrita; e não admiti-la, insensato e perigoso. Portanto, o assunto deve ser tratado de forma objetiva, numa perspectiva de possibilidades reais e sem ilusões.  Para isso, tentamos entender seus motivos.

Se, por um lado, armas nucleares são vistas como bárbaras, nossos antepassados garantiram a sobrevivência da espécie com lanças toscamente afiadas. Do ponto de vista tanto tático como estratégico, a  toda ameaça deve corresponder um meio de resposta, seja preventivo ou defensivo. Afinal, é por esse mesmo motivo que instalamos antivírus e firewalls nos computadores. 

Em 2016 anos de Cristianismo, nunca se matou (e morreu ) tanto em nome de um único deus. Mas não é só de Guerra Santa que vive a Morte.  Em todos períodos da História, guerras de todos os tipos foram travadas pelas mais diversas justificativas, mas tendo como motivo real a expansão territorial e o lucro.

Tampouco há escrúpulo ideológico para guerrear. Ao contrário, o binômio Comunismo x Capitalismo manteve a Guerra Fria em constante estado ebulição, com o Pacto de Varsóvia e a  OTAN em prontidão permanente. Isso sem contar seus desdobramentos sob a forma de conflitos locais, como as guerras do Vietnã e do Afeganistão. Portanto, engana-se quem vê a guerra apenas como um exercício logístico-industrial capitalista.

Se a palavra “Racional” é discutível à Raça Humana, o predicado “Territorial”, não. Mesmo no atual cenário geopolítico, o imperialismo é uma realidade tão presente quanto a defesa da soberania. Antes de gerar divisas, qualquer recurso estratégico gera interesses. Ou cobiça, se preferir. Num mercado mundial faminto por matérias-primas, o país que não se dispõe a explorá-las e defendê-las corre o risco de perdê-las, junto com porções do seu próprio território.   

Dentro dessa perspectiva, uma nação civilizada e pacífica como a Suécia tem um orçamento militar altíssimo, indo na contramão de países pobres, cujos investimentos de Defesa e Segurança Pública são praticamente simbólicos, e promovem, apoiados por cartéis de mineração e traficantes de drogas e pedras preciosas, genocídios sangrentos, sob a explicação de diferenças étnicas ou ideologias radicais. 

 Numa guerra, quaisquer esforços diplomáticos sempre evoluem numa velocidade menor que a da escalada das hostilidades.  Num conflito interno, que envolve forças não-regulares, como terrorismo e guerrilha, a perspectiva do fim das hostilidades nunca é otimista. 

…  A palavra “Paz” sempre será apenas uma utopia, se não contar com os homens dispostos e meios efetivos, tanto quanto disponíveis, para ser conquistada e mantida. Ou, seja: um governo soberano…

 É temerário defender as fronteiras de um país das dimensões do Brasil sem uma indústria nacional de Defesa à altura desse desafio, bem como para garantir o aparato de Segurança Pública. Tampouco é interessante para o eterno postulante a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU não dispor de capacidade de projeção de força, ao menos regional.

As constantes violações das nossas fronteiras secas, aéreas e marítimas, mesmo em tempos de Paz, criam um universo de problemas internos. O primeiro deles é a entrada de contrabando, que na melhor das hipóteses concorre de forma desleal com nossa indústria. Há ainda como efeito colateral o tráfico de armas e entorpecentes, que impõe pesadas baixas sociais. A  mesma estrutura industrial que pode fornecer armamentos, munição e equipamentos para as Forças Armadas também pode fornecer insumos adequados para as forças policiais, tal como previsto no Decreto nº 6.703, de dezembro de 2008, que cria a Estratégia Nacional de Defesa.   

A Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) apresentou, em agosto passado, o resultado do estudo inédito, feito em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), que revela que a Base de Indústria da Defesa (BID) movimentou R$ 202 bilhões, ou 3,7% do PIB brasileiro, em 2014.  

Não sejamos modestos: precisamos, sim, de uma indústria de Defesa forte e eficiente, e é preciso dar condições de produtividade às empresas do setor já (ou ainda?) existentes, evitando um encolhimento maior do parque industrial brasileiro de material bélico. A mesma pesquisa, realizada sob a coordenação do economista e professor Joaquim José Martins Guilhoto (vice-diretor da FEA-USP/FIPE), conta também com a análise econômica do ex-ministro Antônio Delfim Netto, e revelou que a cada R$ 10 bilhões investidos no setor da Defesa e Segurança, o Governo tem o retorno de R$ 5,5 bilhões em tributos. 

O ex-ministro ainda destacou que o setor da Defesa é responsável pela salvaguarda das “três forças independentes que dão sustentação à Soberania Nacional” – água, energia e alimentos, e declarou: “O Brasil precisa da Indústria da Defesa para ser capaz de proteger suas riquezas e seus direitos. É uma indústria dissuasiva, fundamental para a Soberania Nacional.”

É necessária uma política pública para o segmento, alinhada aos setores de Educação e Pesquisa, bem como ao Industrial, para a elaboração de um rosário de soluções de compromisso e continuidade, envolvendo também a indústria de base e o desenvolvimento científico na esfera acadêmica e outras, dirigidas tanto à Defesa como à Segurança Pública, e assegurando as premissas constitucionais de soberania nacional. 

Urge ainda incrementar o relacionamento entre as empresas e os órgãos pertinentes, dinamizando toda a cadeia produtiva e comercial, bem como o desenvolvimento e a qualidade dos produtos nacionais,  para o mercado interno e internacional. Nesse item, ainda, buscar parcerias estratégicas em prol da transferência de novas tecnologias e da abertura de mercados.  A médio e longo prazos, tais tecnologias repassadas ao mercado civil diminuem a dependência externa e incrementam a competitividade de diversos setores. Não por acaso, potências industriais são também potencias militares.

Convenhamos: é um  absurdo pensar num país como o Brasil apenas como um mero produtor de commodities, e o mercado internacional de Defesa oferece boas perspectivas de divisas. Um exemplo bem sucedido é a divisão de Defesa da Embraer no mercado internacional; e, na década de 1980, o fornecimento de mísseis e veículos de combate pela Avibrás e Engesa para mercados do Oriente Médio. 

Ao contrário do que foi dito sobre a Copa, não se faz uma Olimpíada apenas com estádios. Há a necessidade de hospitais bem equipados,  transporte público de qualidade, bem como uma gama de itens a que turistas e atletas do Primeiro Mundo estão acostumados. Porém, em tempos de terrorismo, os cuidados devem ser multiplicados e qualquer assunto referente à Segurança Pública ganha o status de questão de Segurança Nacional de alta prioridade. Além de sede das competições, o Brasil é responsável não apenas pela segurança de seus atletas e cidadãos, mas também de participantes e turistas.  Mas o que de concreto já foi feito para assegurar isso ?

É necessário ter uma força-tarefa multidisciplinar de oficiais e soldados da Marinha, Exército, Força Aérea, Polícia Militar; agentes de segurança e policiais federais, todos uniformizados, equipados e armados, contando com um sistema de comunicações rápido e eficiente, com o suporte de uma ampla e complexa rede de Inteligência. Não se trata apenas de “fazer bonito”. Qualquer incidente envolvendo a segurança ou a vida de cidadãos estrangeiros, além de macular de forma irremediável a imagem do país, pode resultar numa crise diplomática sem precedentes. 

Neste ponto, vale lembrar as Olimpíadas de Munique, em 1972, quando um grupo de terroristas palestinos invadiu os alojamentos da delegação israelense, matou atletas e fez outros de reféns. Ainda como fator complicante, a Alemanha tentava reverter a imagem do Holocausto.

Hoje, o terrorismo é a maior ameaça internacional existente. Mas com uma diferença: se nos anos de 1970 os palestinos a usavam como forma de atrair a atenção do mundo e forçar negociações, hoje, para o Estado Islâmico, um atentado é o objetivo por si mesmo. Não existe qualquer reivindicação: o grupo vai assumir a autoria, como um gesto retaliatório e, quantos mais vítimas e estragos, melhor. E não estão dispostos a negociar.

Para finalizar, retomamos o exemplo da Suécia:  sua neutralidade não a impediu de constituir um sólido parque industrial de material bélico, que não apenas garantisse sua soberania, como também inibisse quaisquer intenções hostis sobre seu território. Essa preocupação, aliás, não é uma página distante, perdida no passado: as recentes violações do espaço aéreo sueco por caças russos sobre o Mar Báltico mostram que esse tipo de ação não foi abandonado, e é tão presente agora como nos tempos da União Soviética. Trata-se de um país que pagou pela opção de ser uma nação neutra, e não contou apenas com a benevolência de quem pode desrespeitar esse direito. 

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jarbas 2Jarbas de Barros é aviador e jornalista. Colabora com revistas especializadas desde o final da década de 1980. Traduziu para o Português textos e artigos sobre o assunto, dentre eles o livro  “Sur Les Traces du Aeropostale”. Trabalhou em rádio e foi editor de projetos especiais da revista “Forças de Defesa”, onde passou a escrever também sobre Defesa e Segurança Pública.  
Escreve no Chumbo Gordo às 2ª e 5ª-feiras. E em situações especiais

 

 

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