Lendas, adeus. Por José Paulo Cavalcanti Filho

LENDAS, ADEUS

  José Paulo Cavalcanti Filho

Jorge Amado pensou um pouco, sorriu e falou apenas “Meu filho, uma lenda é uma lenda”.

Praia de Maria Farinha. Num belo dia de sol, faz muito tempo, apareceu por lá Jorge Amado. No meio da prosa, perguntei: “Queria saber sobre uma lenda sua, amigo”. Respondeu: “Que lenda é essa?, meu filho?”. Disse qual era.

­“Consta que, em Santo Amaro da Purificação, você estava manhã cedinho, todo suado, cuidando de um roçado com tomateiros. Um pescador, indo ao mar, disse Aí, patrão. Trabalhando, né? E o senhor Não, meu filho, descansando. Fim da tarde, você na rede com um puro nos dedos, copo de cerveja perto, ouvindo música. O mesmo pescador, voltando com seus peixes, perguntou de novo Aí, patrão. Descansando, né?; e o senhor Não, meu filho, trabalhando. O coitado está desatinado até hoje. Diga, por favor, se algo nessa lenda é verdade”. Jorge Amado pensou um pouco, sorriu e falou apenas “Meu filho, uma lenda é uma lenda”.

…Gente que sempre se considerou acima da Lei. Talvez, no íntimo, ainda se considerem. Camaleões serão sempre camaleões. Fizerem o que fizeram por acreditar que jamais seriam atingidos. Talvez se arrependam, quem sabe? Uns, já estão presos. Outros, sendo processados. Esses passarão à história como um rodapé. Ou, provavelmente, nem isso….

Pensei no episódio às vésperas desse impeachment. Ao ver, nos jornais, uma coleção de nomes que se acreditaram lendas. Eram mesmo? Serão?, algum dia? Na vasta relação de rostos vemos atores menores – como tesoureiros do PT (todos, nos últimos anos), André Vargas, Delcídio, Pedro Corrêa, por aí. Aqueles que seriam herdeiros diretos desse projeto de poder – Dirceu, Genoíno, Palocci, por aí. Além de intermediários, marqueteiros, empreiteiros, por aí. Gente que sempre se considerou acima da Lei. Talvez, no íntimo, ainda se considerem. Camaleões serão sempre camaleões. Fizerem o que fizeram por acreditar que jamais seriam atingidos. Talvez se arrependam, quem sabe? Uns, já estão presos. Outros, sendo processados. Esses passarão à história como um rodapé. Ou, provavelmente, nem isso.

Entre tantos, dois personagens interessam mais de perto. Sem que se possa, hoje, saber como os livros que serão escritos sobre esse tempo vão registrar suas trajetórias. Se serão lendas, como Jorge Amado. Ou não. O primeiro deles é Lula. Seu caso é dramático. Porque lenda era, ao sair do governo. E vai, talvez, deixar de ser. Ou já deixou, difícil saber. A parte que lhe cabe nesse latifúndio está nas mãos do Poder Judiciário. Já reclamou até na ONU. Falta só o Papa. Irá para a cadeia? Se for, adeus. Não há lenda que resista a uma prisão por corrupção. Ninguém tem ainda respostas para isso. O futuro dirá.

O outro personagem é Dilma. Imagino como se lamentará, todas as noites, dos erros que cometeu. Tantas vezes teve a chance de ficar à margem disso tudo. Impune. Bastaria ter devolvido, a Lula, a chance de voltar à presidência em 2014. E como ele quis isso!, amigo leitor. Como quis. Dilma iria então para casa, cuidar dos netos e viver do passado. Ou poderia ter apoiado Levy. Ou engolido Temer com primeiro Ministro. Ou ter barganhado com Cunha, até isso. Mas é tarde, fugit irreparabile tempus.

… O primeiro deles é Lula. Seu caso é dramático. Porque lenda era, ao sair do governo. E vai, talvez, deixar de ser. Ou já deixou, difícil saber. A parte que lhe cabe nesse latifúndio está nas mãos do Poder Judiciário. Já reclamou até na ONU. Falta só o Papa. Irá para a cadeia? Se for, adeus. 

Por isso, tudo o que hoje diz ou faz é só pensando na posteridade. Até esse depoimento que vai dar, no Senado. Sabe que não voltará à presidência. E corre o risco de que ninguém vá se lembrar dela. Escolheu, para si, o papel de injustiçada. Vítima de um golpe contra a democracia. Um papel tão fascinante que até Cristina Kirchner, acusada de surrupiar grana pública, decidiu copiar. Vale, para as duas, aquele slogan da Vodka Orloff – Eu sou você amanhã. Pobre Coração Valente, assim João Santana a concebeu.

Mas será mesmo, esse coração, inocente e puro?

________________________________________________

jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.

jp@jpc.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter