A rota do gato

Faz parte da mitologia recente da política
econômica afirmar que o desempenho fiscal do governo, em particular na esfera
federal, abriu espaço para a redução de juros. Não por outro motivo o Copom faz
menção explícita às hipóteses acerca do resultado das contas públicas quando
prevê a inflação, além de destacar o papel da geração de superávits primários
no arrefecimento do “descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da
oferta”, o que contribuiria para reduzir as tensões inflacionárias.
O que se observa, todavia, é uma piora
consistente do resultado fiscal, a tal ponto que, de forma muito (ou nada?)
sutil o próprio BC, não exatamente conhecido por sua capacidade de confrontar
as pressões advindas do Ministério da Fazenda, admitiu que a postura de
política fiscal mudou, de neutra para expansionista.
Mais (ou menos?) sutil foi a alteração na ata do
Copom, que até agosto, afirmava sua convicção quanto à geração de um superávit
primário equivalente a 3,1% do PIB “sem ajustes”. Agora, sem maiores explicações,
a expressão “sem ajustes” simplesmente desapareceu do documento, deixando
claro, ao menos para os hermeneutas das atas do Copom, que o gato fiscal subiu
no telhado.
De fato, à luz do superávit registrado até o
momento (R$ 55 bilhões) está claro que não há a menor possibilidade do governo
atingir a meta fiscal (R$ 97 bilhões) sem recorrer a algum truque contábil, o significado
nada oculto de “ajustes”. Resta saber quem levou o felino telhado acima.
A ler o que sai na imprensa, a sugestão parece ser
que o problema se originou – a exemplo do que ocorre hoje com algumas economias
desenvolvidas – da fraqueza da arrecadação por conta do crescimento tímido. Já
eu vejo dois problemas com esta explicação.
O mais direto é que tal diagnóstico não
sobrevive bem ao teste dos fatos. Em que pese certa desaceleração da
arrecadação, a verdade é que muito, senão a maior parcela, do desempenho fraco resultou
de desonerações promovidas pelo próprio governo federal, cujo objetivo,
principal ou secundário (mas sempre de forma intencional), era o de atenuar
pressões inflacionárias atuando diretamente sobre os preços, no caso pela
redução pontual de alguns tributos. Apenas no caso da CIDE, reduzida para
evitar que o reajuste de combustíveis chegasse ao consumidor, a perda de
arrecadação até agora é da ordem de R$ 5 bilhões, devendo atingir perto de R$ 7
bilhões no ano.
Mais importante que isso, todavia, é a própria
dinâmica fiscal brasileira. A triste verdade é que o governo planeja seu orçamento
tendo como base a suposição que a arrecadação sempre crescerá o suficiente para
bancar a gastança.
Não é por outro motivo que os gastos públicos
crescem ininterruptamente. Ao invés de determinar os gastos de acordo com a
necessidade efetiva da sociedade e critérios claros de distribuição de
recursos, a prática da política tem sido simplesmente aumentar o dispêndio
confiando na capacidade da Receita Federal bancar o jogo extraindo recursos
adicionais do setor privado.
Neste ano, por exemplo, a despeito da choradeira
federal, a verdade é que o total arrecadado, medido como proporção do PIB,
supera o registrado no mesmo período de 2011 (apesar de receitas
extraordinárias no ano passado). Posto de outra forma, o problema em 2012
reflete menos a moderação do crescimento das receitas e mais a expansão
continuada do gasto.
E é por conta disso que o governo federal terá
que, mais uma vez, por sua imaginação contábil à prova para fingir que atingiu
a meta. É irrelevante se serão descontados os investimentos do PAC, os gastos
com saneamento, ou a soma dos CPFs do segundo escalão da Fazenda. Ao final das
contas o que sobra é um governo que a cada dia cabe menos no PIB, não porque
investe mais, mas porque se acostumou a ser financiado com parcelas crescentes
da renda do resto da sociedade.
Cadê os impostos que estavam aqui?
(Publicado 31/Out/2012)

18 thoughts on “A rota do gato

  1. Alex,

    Vale a leitura da coluna do Cristiano Romero hoje no Valor Econômico. De forma simples e com baseado em dados o autor mostra que os países que "abandonaram" seus regime de metas de inflação não conseguiram resultados positivos pelo lado do crescimento econômico.

    Lendo seu artigo fico pensando se o governo pensa que retomará o controle dos preços ao retirar as desonerações fiscais, uma vez que neste raciocínio a demanda cairia, por outro lado caso o BC siga com juros baixos e os bancos públicos continuem reduzindo as taxas dos empréstimos a mágica não irá funcionar.

    Abs,
    M.

  2. Um dos raros economistas no cenário econômico brasileiro a fazer um debate à altura dos anos 80 e 90, onde Mario Henrique Simonsen , Edmar Bacha, Luiz Belluzo, Persio Arida, André lara expunham suas idéias…parabéns Alexandre

  3. Alex,

    Como estão se comportando medidas de superávit ciclicamente ajustados?

    Tenho dúvidas sobre o quão expansionista, de fato, está sendo o comportamento da política fiscal… Não se pode afirmar nada categóricamente apenas com base no dado de superávit primário…

    Abraço
    Julio

  4. "Vale a leitura da coluna do Cristiano Romero hoje no Valor Econômico. De forma simples e com baseado em dados o autor mostra que os países que "abandonaram" seus regime de metas de inflação não conseguiram resultados positivos pelo lado do crescimento econômico".

    Um dos piores artigos que já vi nos últimos tempos. Você acha que todos os bancos centrais enlouqueceram ao mesmo tempo? Há que se fazer um contrafactual, de como teria sido o desempenho das economias no caso dos BC's não terem tido tal comportamento digamos mais heterodoxo…

    As evidências disponíveis sugerem que a política monetária tem contribuído positivamente em todos estes países…

    E mais, se você colocar que a inflação tende a ser controlada via demanda, há que se admitir que os resultados de PIB nestes países não tem sido no sentido de pressionar os preços… O que lança uma dúvida sobre um choque de oferta negativo em todos esses países… Será?

    Abraço,
    Julio

  5. " Não se pode afirmar nada categóricamente apenas com base no dado de superávit primário…"

    Não mesmo. Por exemplo, o meu ajuste (que retira receitas não-tributárias e algumas despesas) mostra uma queda ainda mais pronunciada do superávit primário do que o número oficial: 1.3% do PIB contra 0.8% do PIB. Dado que a arrecadação (federal) subiu com relação ao ano passado (23,2% do PIB contra 23.1%, mesmo considerando que em 2011 houve uma receita extraordinária do CSLL da Vale), tudo aponta para uma política fiscal pesadamente expansionista e isso sem mencionar o parafiscal.

  6. "Qual o problema de se descumprir a meta de superávit primário?"

    Nenhum: também não cumprimos a meta de inflação (mas experimente ver o dólar escorregar abaixo de R$ 2,00)

  7. "31.10.2012 01:05 pm
    DIRETOR DO BC DIZ QUE NÃO VIU ATA QUE ELE AJUDOU A ESCREVER

    O diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton, ou fez chacota ou deve estar com amnésia. Hoje, durante palestra em um seminário promovido pela instituição em Porto Alegre, ele disse não se lembrar do trecho da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), dizendo que a inflação continuará acima do centro da meta, de 4,5%, ao longo de 2013 e 2014.

    "Eu não vi isso", disse, ao ser questionado sobre a sua insistência em afirmar que, "nos próximos anos, a política monetária continuará sendo conduzida com foco no compromisso exclusivamente na estabilidade de preços, seguindo a abordagem do regime de metas de inflação".

    Não custa refrescar a memória de Hamilton com o trecho da ata que ele ajudou a escrever: "A projeção de inflação para 2012 manteve-se estável, acima do valor central da meta para a inflação. Para 2013, a projeção de inflação reduziu-se em ambos os cenários, mas ainda se posiciona, nos dois casos, acima do valor central da meta. Para o terceiro trimestre de 2014, a projeção encontra-se acima do valor central da meta em ambos os cenários".

    Brasília, 13h05min "
    blog do vicente.

  8. "O que lança uma dúvida sobre um choque de oferta negativo em todos esses países… Será?"

    Parece que os choques de oferta se tornaram a melhor desculpa para a gestão leniente dos BC´s. Na verdade trata-se de papo furado dos anos 70 e 80, quando muitos heterodoxos negavam a inflação de demanda. De qualquer forma cabe ao autor do post lançar mão de dados para "bater" no Cristiano Romero. Estamos aguardando…
    M.

  9. Quase off-topic

    Ao anonimo 13:43, essa história de ler/não ler ata não me parece ser nova. Salvo engano, o ultimo episodio parecido foi em mar/2010. Coincidencia ou nao, desde então a comunicação do BC caiu muito de qualidade.

    The Anchor

  10. Oi Alex, eu estou no 3 ano do ens. médio e tenho me interessado muito por economia..mas eu ando um pouco preocupado, porque me parece que há muitos economistas no mercado. Eu gostaria de saber a sua opinião, você acha que ainda da para se destacar como um economista? também gostaria de saber como é a rotina de um economista, é um trabalho muito estressante? eu sei que você não deve receber esse tipo de pergunta, ainda mais de alguém do ens. médio, mas por mais que eu pesquise na internet, eu só encontro coisas muito superficiais, ficaria feliz em saber sua opinião, visto a sua grande experiência. Ps: desculpa escrever aqui no blog, eu não consegui te enviar um email..se você puder me responder, eu sei que o seu tempo deve ser muito corrido, se quiser faze-lo por email, aqui está: fabriciodesousa@ymail.com
    Obrigado

  11. "Parece que os choques de oferta se tornaram a melhor desculpa para a gestão leniente dos BC´s. Na verdade trata-se de papo furado dos anos 70 e 80, quando muitos heterodoxos negavam a inflação de demanda."

    O fato de ocorrerm choques de oferta com frequencia nao torna este topico desimportante. Pode-se ler esta situacao de duas formas: com rigor, pois se trata de fenomeno sempre comum a assolar a conducao da politica monetaria, ou com desprezo por ser um tema batido e (infelizmente) desconsiderado por muitos…

  12. "De qualquer forma cabe ao autor do post lançar mão de dados para "bater" no Cristiano Romero. Estamos aguardando…"

    Nao precisa meu caro. Basta ler o artigo do proprio e vera como o desempenho do PIB em nada tem a ver com a dinamica inflacionaria nos paises mencionados…

  13. "Nao precisa meu caro. Basta ler o artigo do proprio e vera como o desempenho do PIB em nada tem a ver com a dinamica inflacionaria nos paises mencionados…"

    É isso meu amigo, não existe relação entre o crescimento do PIB e a inflação, por este motivo o artigo do Cristiano Romero ficou interessante. Ele mostra (com dados) que os países lenientes com a inflação não arrumaram nada pelo lado do crescimento econômico.

    Acho que vc ainda não entendeu o que se está discutindo aqui.

    M.

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