Procuração: Quem não pode fazer, arrume quem faça! Por Ivone Zeger

Procuração: Quem não pode fazer, arrume quem faça!

Por Ivone Zeger

Comprar, vender, casar, registrar filho: quase tudo um procurador pode fazer, contanto que seja alguém de confiança. 

Quantas vezes já não ouvimos a frase “passou procuração”? Possivelmente, muitas. Ela pode envolver diversas situações e, entre tantas, podemos pinçar aquele tipo cujo significado revela que alguém não pode ou não quer dar conta de uma situação, e assim pede para outra pessoa fazê-lo. Palavra na “boca do povo”, a procuração é na verdade um instrumento de mandato de extrema utilidade e está presente no mundo dos negócios, da política e na vida cotidiana.

Instrumento de mandato? Sim. O artigo 653 do Código Civil diz que “opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses”. Procuração é principalmente um instrumento baseado na confiança, em que o interessado – chamado outorgante – nomeia alguém em quem ele confia e que passa a se chamar procurador. Embora a procuração faça muita gente “crescer os olhos”, ela pode não ser tão ampla ou desmesurada como se imagina. Aliás, é o outorgante quem determina, e é somente ele que deve determinar a extensão desse poder e esse cuidado é importantíssimo.

Na verdade, pode-se utilizar uma procuração para a maioria dos atos da vida civil, contanto sejam lícitos e permitidos pela lei. Assim, encontramos uma variedade enorme de tipos de procuração. Veja só: para compra e venda de imóveis, para administrar bens, movimentar contas bancárias, para autorizar alguém a receber um benefício da Previdência; e há concursos e cursos que aceitam inscrições por procuração.

Pode-se registrar um filho por procuração! Se os pais não forem casados, e na hora de registrar a criança o pai não estiver presente, ele pode tanto reconhecer a paternidade fazendo uma declaração com firma reconhecida, quanto conceder a alguém uma procuração pública específica para que seja feito o registro da criança.

Até casar pode ser por procuração. Estranho, sem graça, mas pode! Suponha que se esteja de casamento marcado, mas um imprevisto obriga o cidadão a fazer uma viagem de emergência, ou um acidente deixa o noivo ou noiva impossibilitados de comparecer ao próprio casamento. Dos males o menor: é melhor casar por procuração do que não casar! Há vários casos de gente que se casa por procuração, estando os noivos, por exemplo, em países diferentes. Assim, o casamento civil pode ser celebrado na presença de procuradores estabelecidos pelos noivos. Para casamento, a procuração deve ser pública, feita em cartório exclusivamente para esse fim e tem prazo de 90 dias.

Procuração pública? Isso mesmo. A maioria dos atos citados acima: casamento, compra e venda de imóveis, transação com veículos e na maioria das ações referentes a transferência de bens, a procuração deve ser pública, ou seja, deve ser realizada em cartório. O outorgante deve se dirigir  ao cartório de notas munido de documentos originais, como RG e CIC. Há textos padrões para as procurações públicas, embora cada uma seja única e sua elaboração esteja a cargo do escrevente e do tabelião.

As procurações também podem ser particulares. Nelas, o conteúdo pode ser elaborado pelo próprio outorgante. Esse texto deve conter local e data onde a procuração foi realizada, a qualificação do outorgante e do outorgado, o objetivo do documento e se há prazo de validade. Para ter validade e efeito perante terceiros, a procuração particular deve conter a assinatura reconhecida do outorgante – o reconhecimento de firma -. É bom atentar para o objetivo, pois em alguns casos, como já vimos, só valem procurações públicas. Além do mais, é sempre recomendável que o outorgante tenha a orientação de seu advogado de confiança, que poderá suprir muitas dúvidas evitando que o documento contenha informações incorretas ou desnecessárias.

Nem todo mundo pode fazer uma procuração particular: os jovens sem maioridade legal, entre 16 e 18 anos, as pessoas analfabetas ou que, por algum motivo, não assinem o próprio nome, só poderão fazer procurações públicas.

Daqui para o final do ano, jovens que prestam vestibulares passam suas férias de prontidão, aguardando listas de aprovação. Obviamente, não se pode recorrer a  uma procuração para que outra pessoa realize as provas em um vestibular ou em qualquer tipo se seleção, mas pode-se outorgar uma procuração para que outra pessoa realize a matrícula ou faça inscrições. Assim, caso o jovem queira viajar com os pais, pode deixar alguém encarregado de fazer a matrícula por ele. Basta uma procuração simples. Normalmente, as faculdades sugerem modelos de procuração.

Além dos limites para a atuação, a procuração pode ter prazo de validade, ou não. A princípio, procurações particulares podem ser revogadas a qualquer momento, a depender da vontade do outorgante. Já as procurações públicas costumam ter prazo padrão de validade.

E se o motivo ou objeto da outorga daquela procuração já tiver alcançado seu objetivo, pode o outorgante revogar a procuração publica? Certamente. Ou seja, a qualquer momento a procuração publica ou particular pode ser extinta, mas somente pelo próprio outorgante, se este não desejar mais que o procurador exerça atos em seu nome. Para isso, no caso da procuração pública, ele volta ao Cartório de Notas onde se realizou o ato e, com os documentos e cópia da procuração, informa o tabelião de sua decisão de revogar aquele instrumento.

Embora pareça muito simples “passar uma procuração”, esse instrumento pode se tornar bastante complexo. Há procurações, por exemplo, que se utilizam de cláusulas restritivas como a da irrevogabilidade. O artigo 683 do Código Civil dita que quando a procuração contiver essa cláusula, se o outorgante quiser revoga-la, ou seja, se não quiser mais que alguém decida certas coisas por ele, terá de arcar com “perdas e danos” em favor daquele que exercia o mandato. Por isso, esse é mais um cuidado que se deve ter: saber se no texto da procuração se menciona ou não a “cláusula de irrevogabilidade.”

Tomando-se os cuidados e precauções mínimas que se deve ter sempre que se concedem direitos a terceiros, ou quando se assina um algum papel, contrato ou documento, a procuração torna-se um instrumento valioso, personalíssimo e do qual muitas vezes  pode-se lançar mão, sem prejuízo de ninguém.

Porém, assim como o outorgante deve prestar atenção às cláusulas de revogabilidade e à todo o conteúdo constante na procuração, o mandatário também tem deveres a cumprir. O artigo 667 do Código Civil diz que “o mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente”. Aliás, ações de má fé exercidas por mandatários já renderam muitas cenas de novelas e verdadeiros romances. A figura do procurador, ou mandatário, suas obrigações e as “escorregadas” que eles cometem de vez em quando será tema do meu próximo artigo.

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DRA IVONE ZEGER

 

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br

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