A manada está solta. Por Marli Gonçalves

A manada está solta

Marli Gonçalves

 Abra os olhos. Feche portas e janelas. Tranque tudo. Se correr o bicho pega; se ficar, o bicho come

As cenas foram terríveis, chegaram mesmo a ser aterradoras. Vimos pela televisão a invasão de lojas e os saques acontecendo à luz do dia no Espírito Santo. Crimes de toda sorte, assassinatos, assaltos. E os saques. Mais de uma semana de terror, o medo, as ruas vazias e aqueles grupos enormes de pessoas muito agitadas, excitadas, carregando tudo o que podiam, em hordas.

E uma população simplesmente refém, acuada, impotente. Especialmente não acreditando que vivia tudo aquilo por causa da… polícia! O pessoal do Mal, os bandidos – a notícia correu rápido nas bocas –, se espalhou rapidamente, como que acordados para um sonho de um Estado sem polícia. Botaram suas melhores camisetas, máscaras, pegaram suas armas e foram para as ruas num carnaval antecipado.

A surpresa foi o número de outras pessoas entrando na confusão, somando-se ao outro lado da força em um impressionante transe de inconsciente coletivo. Tanto que poucas horas depois as delegacias começaram a ficar entulhadas de devoluções. Foi como se, ao chegar em casa com os objetos, um estalo tenha ocorrido e feito despertar as consciências. Há muito não se via um efeito manada desse porte. Marcantes esses dias.

Não há como não parar para refletir sobre uma semana como essa em que ainda fomos esbofeteados em todas as direções, pá, pá, e pá, continuamente humilhados com decisões governamentais e parlamentares. E atiçados com informações estarrecedoras entrando em nossas veias bombeando nosso sangue. Bombardeando nossa paciência.

Faz-se o silêncio nas arquibancadas e avenidas, as bandeiras nacionais estão murchas. Mas nas esquinas e becos, aqui e ali, já ouvimos sérios murmúrios, uma água que começa a ferver no caldeirão. Vocês estão se dando conta disso?

Aqui que eu queria chegar. No paralelo das manadas que vimos em ação no Espírito Santo, e no perigo que reside nesse enorme inconsciente coletivo nacional no qual os grandes mestres da psicologia, psiquiatria e psicanálise Jung, Freud ou Fromm teriam adorado mergulhar para tentar entender a dimensão. Eles pirariam. Não há racionalismo nas explosões.

A ideia de bloquear as portas dos quartéis já começa a pipocar em outros Estados. Mal saímos de uma centena de cabeças cortadas em prisões, perigosos e esquecidos fugitivos. Não nos recuperamos da fala do “acidente pavoroso”. E em um momento como esse o ministro da Justiça deixa sua cadeira, onde já havia sido absolutamente inoperante em todos os fatos, porque é premiado! Indicado ao Supremo Tribunal Federal – posto ao qual para galgar tem passado os dias beijando mãos, cruzando pernas, pedindo bênçãos exatamente daqueles a quem poderá ter de julgar em futuro muito próximo. Há algo naquele olhar que me incomoda. Reparem na mosca azul pousada sobre a sua cabeça.

E o outro? O “homem”, uma semana depois de mais cem mortos numa guerra urbana, e de nem pensar em pisar lá na terra, mas do alto do seu Olímpico Planalto, declara com cara de quem está falando alguma novidade que a greve dos policiais é “inaceitável”, manda uns querubins baixarem lá e tentarem por ordem no pardieiro.

A impressão é de que vivemos num pesadelo, e meu medo é esse tal de inconsciente coletivo começar a atacar de novo; e será cada vez mais forte.

Mas ao mesmo tempo respiro um pouco mais aliviada quando vejo que há sim outro lado que também vem despertando na mesma dimensão e que poderá mudar o rumo dessa prosa. É a consciência coletiva, a força da solidariedade que também vemos surgir em situações excepcionais e que precisa também ser observada e incentivada. Gente se unindo para fazer coisas boas, grupos que se ajudam mutuamente, preocupações positivas.

Quem sabe a gente não consegue gerar um efeito manada do Bem?

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Marli Gonçalves – Nada bom o andar dessa carruagem.

 São Paulo, 2017

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