“Eu sou, eu faço, eu aconteço”. Por Lalá Aranha

“Eu sou, eu faço, eu aconteço”

Por Lalá Aranha

… não é de bom tom nos colocarmos na frente dos outros nos casos de ganhos pessoais ou profissionais que beneficiem pessoas ou uma organização. É uma regra de “urbanidade”, não de gramática. É boa norma de civilidade. Questão de educação. Primeiro o outro, depois eu…

Publicado originalmente em 20 de março de 2017, Portal Aberje

Desde muito cedo, aprendemos no lar e na escola a usar várias “regrinhas” e “palavrinhas mágicas” que nortearam nosso convívio social e que passei para minhas filhas e agora para os netos.

Usar expressões do tipo “com licença”, “estou satisfeita”, “obrigado” e assim por diante. Dar “bom dia” ou “boa noite” quando se entra em um lugar com outras pessoas.  Uma forma de me expressar que muito tem orientado minha vida social e profissional foi e é o uso do pronome pessoal “EU” enquanto sujeito da ação. Não é de bom tom nos colocarmos na frente dos outros nos casos de ganhos pessoais ou profissionais que beneficiem pessoas ou uma organização. É uma regra de “urbanidade”, não de gramática. É boa norma de civilidade. Questão de educação. Primeiro o outro, depois eu.

Vejo pessoas declararem “Eu e minha equipe”, “ Eu e minha diretoria”, “Eu e ele/ela” e assim por diante. Em depoimentos ou palestras, o “eu” sempre vem primeiro. Nas redes sociais, nem se fala! Nem o “nós” é empregado…

…Indiscutivelmente, as tecnologias digitais reconfiguraram nossa experiência diária do real. A ficção do mundo virtual tornou-se uma realidade.

No mundo empresarial, sempre me foi exigido usar o “eu” corporativo, de equipe. Ou seja, o “Nós”. Mas parece que foram abolidas estas e outras regrinhas de civilidade. Porque?  Dizem os sábios que tudo o que acontece tem um motivo, uma razão para acontecer.  Tenho pesquisado muito sobre conduta social e muitos dedos apontam para a transformação que a Internet tem causado no comportamento humano. Nada contra a Internet, pois sou fã dos benefícios que ela me traz e a todos que me cercam, mas é bom ficar alerta para o que se fala nos meios acadêmicos, principalmente.

Indiscutivelmente, as tecnologias digitais reconfiguraram nossa experiência diária do real. A ficção do mundo virtual tornou-se uma realidade. Projetar-se no mundo virtual é um processo que nos desloca do cotidiano e nos conduz a uma convivência individualista e, muitas vezes, fantasiosa. ¹“Eu sou meu porta-voz” ou “eu sou meu portal” são máximas das atitudes que dominam a Web 2.0. O usuário como elemento central da rede.

Creio que passamos da inteligência coletiva ou da sociedade em rede para o “SHOW DO EU” ou “MEU PALCO SOU EU”. Um monólogo de milhares de pessoas que é curtido, comentado ou compartilhado por outros milhares. No Facebook, a foto pessoal está no local mais importante da página e é mudada ao sabor da ocasião. Esta ostentação do ‘EU’ cria uma imagem defasada de si própria, pois está conectada somente no meu universo. Este individualismo na rede está longe das comunidades e fóruns do primeiro momento da Internet quando aquele território era comum a todos participantes.  Aquela identificação com uma comunidade ou coletivo deixou de existir e agora cada um se estabelece no centro das redes sociais.

Todos os dias, as notícias falam deste novo “vício” que é a Internet com suas várias plataformas e meios e da presença dos smartphones na nossa vida. Recomendam usar o mesmo equilíbrio que se pratica no consumo de bebidas alcoólicas e outros possíveis “vícios”. Chegam a dizer que a inteligência potencial de um usuário com um smartphone é diferente quando está sem ele. Segundo esta tese, se perdermos nosso celular com todas as informações nele contidas – contatos, agendas, acessos às redes – perdemos parte de nosso cérebro e nosso superpoder de duplicar tempo e espaço e fazer contato a qualquer momento.

Para muitos, a Internet é um fim e não um meio. Alguém me soprou que é quase uma máquina de teletransporte, algo mágico e que é possível até se ter a sensação do estado de ânimo de quem está postando…

Nos conectamos com qualquer um a qualquer momento e buscamos respostas às nossas dúvidas acessando às fontes digitais, com o celular na bolsa, em qualquer lugar. Ali, temos uma sala repleta de amigos, parentes e colegas com acesso mútuo a qualquer momento e cada um competindo para chamar a atenção para seu “mundinho .”

Para muitos, a Internet é um fim e não um meio. Alguém me soprou que é quase uma máquina de teletransporte, algo mágico e que é possível até se ter a sensação do estado de ânimo de quem está postando.  Acredito que é uma das invenções mais brilhantes da humanidade, mas não a mais brilhante. Pois novas virão! Como todas as grandes invenções a as inovações que surgem, elas impactam nosso dia-a-dia e muitas vezes perdemos a noção do seu uso equilibrado. Esta ideia de criar uma ou mais redes de computadores interligados entre si vem reconfigurando nossos hábitos, cultura, educação com muita rapidez. A parte preocupante é que a família, a escola e a educação formal têm uma certa dificuldade para acompanhar esta velocidade. Por isto, encontramos este “distanciamento” comportamental entre as gerações que desfrutam de um mesmo tempo e cenário.

Talvez meu saudosismo esteja abordando questões menores, mas acredito que é um salto para problemas bem maiores. Talvez a origem de muitos dos deslizes que também estão acontecendo.   Todas estas questões – ausência de valores, personalização, comportamento social e outras – tocam numa situação muito sutil: o sujeito enquanto objeto único e individualizado. E me pergunto o que teremos num próximo momento já que das comunidades virtuais, saltamos para a personalização na rede.

Qual será o novo choque que vamos enfrentar?

¹Não vou fingir, pois quando posto no Facebook algo que eu gosto, a quantidade de curtidas e compartilhamentos e qualidade dos comentários me tornam uma “deusa” por alguns minutos

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LALÁ ARANHA – Clala-aranha-onselheira da gestão eleita do Conrerp Rio de Janeiro (2016-2018), foi presidente do Conrerp na gestão 2013-2015. É professora convidada do MBA de Comunicação Empresarial da Estácio Rio de Janeiro; conselheira do WWF Brasil; ouvidora do Clube de Comunicação do Rio de Janeiro; colunista mensal da Aberje.com. Lançou o livro Cartas a um Jovem Relações Públicas (Ed. Elsevier 2010); foi diretora da CDN Comunicação Corporativa; fundadora e diretora da agência CaliaAssumpção Publicidade e presidente da Ogilvy RP. É bacharel em Relações Públicas pela Famecos, PUC-RS; MBA IBMEC Rio de Janeiro, dentre outros cursos no Brasil e exterior.

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