VELHICE

Solidão na velhice. Por Meraldo Zisman

Um aumento no individualismo que enfatiza a felicidade pessoal é fator que encobre outros até mais importantes, mormente na denominada classe média ou mesmo rica. As pessoas estão cada vez mais propensas a rejeitar parentes que obstruam o seu sentimento de bem-estar. A realização pessoal vem substituindo cada vez mais o dever filial…

Filhos de casais que se divorciam são mais propensos a abandonar seus genitores quando ele ou ela envelhecem.  Descobri que muitos queixosos, divorciados ou separados e já avós, se queixam de terem sido cortados por seus filhos.  Falo de casos de pessoas maiores de 60 anos, por vezes avós e de situação financeira estável que se afastaram de seus companheiros.

As pessoas que lidam com idosos devem considerar a possibilidade de o idoso ou idosa não estar recebendo o apoio e o lenitivo, devidos a alguém que tenha filhos adultos e até netos. Refiro-me aos filhos que vivenciaram quando jovens a separação dos pais.

Um aumento no individualismo que enfatiza a felicidade pessoal é fator que encobre outros até mais importantes, mormente na denominada classe média ou mesmo rica. As pessoas estão cada vez mais propensas a rejeitar parentes que obstruam o seu sentimento de bem-estar. A realização pessoal vem substituindo cada vez mais o dever filial. As famílias sempre brigaram e os parentes se separaram, por isso a ideia de se desligar de um parente como caminho para a própria felicidade não parece ser nova. Em alguns aspectos, é um desenvolvimento positivo: certas pessoas acham mais fácil separar-se de pais que foram abusivos. Mas também pode acarretar custos elevados. Aumentar a consciência sobre essa forma de problema provavelmente será importante e não apenas porque alguns laços quebrados possam ser reparados.

O afastamento entre pais e filhos tem efeitos negativos além do desgosto que causa. A pesquisa sugere que o hábito de cortar parentes, sobretudo pais, tende a se espalhar nas famílias. Pelas queixas é provável que a solidão na velhice seja exacerbada pela separação do casal que teria afetado os filhos. Tenho sentido e entendido como psicoterapeuta e pediatra que muitos filhos ou filhas não perdoam a separação do pai e mãe, levando-os a abandonar um deles ou ambos quando chegam à velhice. Aqueles que decidem romper o contato com seus pais encontram apoio em um número crescente de livros (muitas vezes com a palavra “tóxico” no título), bem como de textos “online”. Tópicos em fóruns na Internet para pessoas que desejam romper os laços com seus pais revelam conceitos estranhos, rotulando pessoas que eles nunca conheceram como narcisistas ou tóxicas, aconselhando a cessação imediata do contato.

Isso pode facilitar o engavetamento de um inevitável sentimento de culpa.

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.

 

2 thoughts on “Solidão na velhice. Por Meraldo Zisman

  1. Lendo esse texto, concordo plenamente, tenho receio ,não por mim, mas com relação aos filhos casados e separados ,alguns netos com esse pensamento! E eu tento conciliar no que posso.

  2. Caro Dr. Meraldo, esse artigo me fez crer que, havendo separação, que haja o grito do basta da opressão e do cerceamento. Uma decisão definitiva de desligamento dos pais, aflora nos dos filhos, a mesquinhez e a ninharia de valores, fruto do egoísmo Serão agora, dedicação versus o vil metal.
    Parabéns!

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