Os crimes e as diferenças. Por Alex Solomon

Os crimes e as diferenças

Alex Solomon

Virou costume chamar  impropriamente de propina qualquer remessa de dinheiro a um político ou partido. Só é propina o valor, quente ou frio, entregue visando a um benefício futuro, ou em reconhecimento por um favor já prestado…

Há uma confusão de termos, e na ânsia do “sabemos como são essas coisas”, muitos confundem caixa dois (já se fala em caixa três – o autor do termo inspirou-se nas matrioskas, aquelas bonecas russas) e propina.
O caixa dois,  na  impecável definição do senhor Delúbio, são recursos não contabilizados.
Uma empresa “cria” caixa dois quando vende sem nota ou quando paga valores inferiores ao oficialmente combinado e faturado por um fornecedor acumpliciado. No caso dos financiamentos de campanhas, as vilãs não faziam caixa dois a partir do superfaturamento. Superfaturamento é uma safadeza combinada entre corrupto e corruptor para pagar valores maiores do que uma obra ou serviço valem.
Esse valor circula, sendo consequência de um acordo de toma lá, dá pro papai em troca de qualquer “bobagem” (garantia de novos contratos, com ou sem formação de cartel, financiamentos generosos, etc.) com saída de uma grana para campanha, para algum mimo: uma joia, um imóvel  etc. ou para o caixa do “superfaturador”. É uma safadeza, mas não é caixa dois.  Para dar uma saída propínica as empresas tinham de se virar de alguma forma. Contratos fajutos com papelarias inexistentes, com cervejarias amigas, com promoção de eventos culturais. Aí, sim, não pagavam o combinado e a papelaria do Zé, faxineiro laranja falecido em 1990, tinha a sua contabilidade arrebentada.
É possível entender a lógica cínica de quem diz: “Minha campanha não foi financiada com caixa dois”. O “ingênuo” beneficiário dos mimos sabe que praticou ou irá praticar  uma ilegalidade, mas o tesoureiro da campanha recebe um cheque quente e não há TSE que, pelo cheiro do cheque, TED ou outro instrumento, possa identificar (oficialmente) a origem malsã da doação. Só há gente inocente no processo. Existem variações sobre o tema: uma empresa não deseja aparecer, e por um sistema de vasos comunicantes a doação vem de terceiros.
Daí os protestos: Tudo que recebi foi dinheiro que registrei no tribunal eleitoral. Podem delatar ad nauseam, o beneficiário dirá que para ele  foi tudo legal. O advogado do delatado baterá nessa tecla até a morte e brandirá a bandeira socrática do “sei que nada sabemos”.
Claro que houve um acerto anterior, que a ponte ou o estádio custou à Viúva mais do que uma concorrência limpa acarretaria, e se não foi o suficiente para aplacar a fome, para que existem os aditivos de contratos? Resumindo: o financiamento de campanha não foi sempre produto de caixa dois, foi produto de operação estruturada que beneficiou terceiros que repassaram a bufunfa- mordendo um pouco, pois não há sistema sem perdas, não é mesmo? É a Segunda Lei da Termodinâmica!
Falta um tentáculo: as offshores. O dinheiro proveniente de superfaturamento (uma parcela) era “gasto” com a papelaria do Zé, a cervejaria já denunciada, eventos culturais, etc. Saída de caixa normal, só que na outra ponta chegava um percentual variável (0% no caso do falecido). O resto estava lavado, e bem sequinho poderia ir para o paraíso… fiscal. Poderia viajar em sacolas, malas, cuecas, etc.
Claro, uma empreiteira poderia entregar ao tesoureiro um cheque quente. Se o cheque era resultante de um lucro ilegítimo (superfaturamento), perante a lei o beneficiário poderá alegar cínica e tranquilamente ignorar o “detalhe” (acertado num gabinete elegante, noblesse oblige. Se filmado ou gravado, para se resguardar, melhor ainda). Quanto ao tesoureiro, ora, citará Vespasiano: Pecunia non olet! Dinheiro não tem cheiro.
Virou costume chamar  impropriamente de propina qualquer remessa de dinheiro a um político ou partido. Só é propina o valor, quente ou frio, entregue visando a um benefício futuro, ou em reconhecimento por um favor já prestado. Não é sem razão que em alguns idiomas propina significa gorjeta.
A indignação persistirá, mas por motivos diversos, a ser resolvidos pela Justiça.

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alex SolomonAlexandru Solomon–  Mestre em Finanças pela Fundação Getúlio Vargas, escritor com onze livros publicados

 

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