E os filhos? Por Josué Machado

E OS FILHOS?

Por Josué Machado

Viverão melhor ou pior? Serão melhores? O caso em que o adjetivo invadiu os domínios do advérbio.

Filhos foram mencionados pelo ex-ministro Delfim Netto, supremo mandatário da economia durante parte da ditadura imposta pela gloriosa revolução redentora. Ele tem coluna em jornal e analisa atos do governo relacionados com sua área de saber. Demonstrando algum desalento em relação ao presente, profetizou com desolado pessimismo:
 “Não há para onde fugir. Parece não haver esperança que nossos filhos e netos viverão mais tranquilos e melhores do que nós.”
Não se deve discutir a sabedoria do professor Delfim, talvez mais sábio agora do que antes, com seus conselhos sobre como melhor gerir a economia, o que fazer para que o país cresça e apareça, todos ganhem mais bufunfa (honestamente), sejam felizes para sempre e alcancemos o Paraíso. Coisas etéreas, portanto, já que dizer como se faz é mais fácil do que fazer.
             MANDACHUVA
Basta lembrar que, quando mandachuva durante a gloriosa, Delfim disse que seria preciso primeiro fazer crescer o bolo para depois dividi-lo com os míseros.
Foi para aplacar as massas, referindo-se às reivindicações da maioria dos desfavorecidos, gente sempre pidona, querendo parte da riqueza então concentrada na mão de poucos.
Verdade que houve tempos mais amenos para a geral durante o governo de Luizinácio. Mas a que preço…
E mesmo então, como “nunca antes na história deste país”, os bancos e grandes empreiteiras bateram recordes de lucros. E continuam…
        ESPERANÇA COM ELIPSE
De volta à realidade e sob o aspecto formal, podem-se discutir dois pontos no textículo delfino.
  1. Ele escreveu — “esperança que”, omitindo a necessária preposição “de”: esperança DE que, introdutória do complemento nominal. Necessária, mas não essencial, porque é frequente a elipse da preposição acompanhante de “esperança”, “certeza” e outras palavras antes da conjunção “que”, principalmente na fala:
Tenho certeza que ele será condenado.”
  1. Escreveu também: “(…) nossos filhos e netos viverão mais tranquilos e melhores do que nós (…). (Grifo nosso.)
Aí, sim, uma delfinada.
O professor confundiu advérbio com adjetivo. Quando “melhor” se refere a verbo (viverão), funciona como advérbio, sendo, portanto, invariável. Num caso como esse, cabe apenas “melhor”, sem marcas de plural, por ser advérbio, comparativo de superioridade de bem: antes, nossos filhos estavam tranquilos e bem; agora, estão tranquilos e melhor. Então, sendo bem repetitivo: nossos filhos viverão mais tranquilos e melhor do que nós.
 (É bom ter esperanças.)
Lembremos que advérbio é palavra invariável que modifica verbo, adjetivo ou outro advérbio, exprimindo circunstância de tempo, lugar, modo, dúvida, etc.
Ninguém sabe se os filhos estarão felizes e  melhor no futuro.”
Quanto a adjetivo, é palavra variável que concorda com o substantivo, modificando sua compreensão e indicando-lhe qualidade, caráter, modo de ser ou estado.
Delfim, saudoso do passado de glórias, provavelmente se deixou influenciar pela locução plural “mais tranquilos” que vem antes na frase e deslizou gostosamente na onda, transformando o advérbio “melhor” em adjetivo “melhores”.
O adjetivo, convém reafirmar, concorda com o substantivo a que se refere: filho melhor, filhos melhores, homem melhor, homens melhores.
E, por fim, de olho triste no que há por aí, pode-se expressar como prece um desejo, uma quimera, uma fantasia, o fiapo de uma utopia, um sonho: governo melhor, políticos melhores; Justiça melhor, juízes melhores…
 Um sonho, apenas um sonho, nada mais que um sonho.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade

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