Preso na Dimensão Z

Acordei num universo paralelo. Leio que há no
governo quem considere que a política fiscal teria contribuído para o mau
desempenho da produção no final do ano passado e começo deste ano. Segundo esta
versão, a busca pelo superávit primário teria forçado o governo a cortar seus
gastos, principalmente no que diz respeito aos investimentos, reforçando a
queda da demanda. Seria um (mau) exemplo de política fiscal pró-cíclica (que
reduz o gasto nos períodos de menor crescimento e os aumenta nos momentos de
aceleração), do tipo que o Brasil tem criticado nos países europeus.
Tamanho desprezo pelos dados (produzidos, diga-se,
pelo próprio governo) só seria possível num universo (que, no meu blog, batizei
de “Dimensão Z”) em que as regras da lógica não tenham validade e toda
evidência empírica deva ser tomada justamente como seu oposto. No universo em
que nasci, porém, as coisas funcionam de um modo distinto…
Lá, por exemplo, descobrimos que o gasto
primário do governo federal cresceu 7% acima da inflação nos primeiros quatro
meses do ano comparados ao mesmo período do ano passado, um aumento da ordem de
R$ 17 bilhões (já corrigido pelo IPCA), pouco inferior a 1% do PIB. Deste
total, R$ 13 bilhões se referem ao aumento do gasto corrente; já o gasto de
capital cresceu algo como R$ 3,7 bilhões. Neste mesmo período o superávit
primário cresceu apenas R$ 1,6 bilhão, impulsionado pela expansão da
arrecadação.
Já quem no meu universo nativo buscasse amparo
nos dados das contas nacionais notaria que, de acordo com a definição mais
estreita do consumo do governo adotada nesta contabilidade (que,
principalmente, retira as transferências a famílias do dispêndio governamental),
o gasto real cresceu 3,4% no primeiro trimestre do ano comparado a igual
período de 2011. Em termos dessazonalizados, porém, isto significa um aumento
de 1,5% sobre o quarto trimestre de 2011, correspondendo a uma taxa anualizada
superior a 6%. No último semestre os gastos governamentais se expandiram a uma
taxa média da ordem de 4% ao ano.
Não por acaso o consumo público no Brasil voltou
a ultrapassar a marca de 20% do PIB no primeiro trimestre de 2012 (dados já
ajustados ao padrão sazonal) e, mais importante, também superior ao
investimento, que se retraiu a 19% do PIB. Continuamos, para todos os efeitos,
a ser um país em que o governo gasta muito e, inexplicavelmente, se espanta
quando o setor privado investe pouco.
Isto dito, ao menos fora da Dimensão Z, não há
qualquer fiapo de evidência que sugira que o governo tem seguido uma política
fiscal pró-cíclica. A verdade é que os gastos têm aumentado quando a economia
cresce pouco e também quando cresce muito; a única coisa que se altera é a
justificativa.
De fato, é curioso como a conversa acerca da
alteração da política fiscal, de supostamente pró-cíclica para anticíclica
(que, em si, não seria um problema), só aparece quando o PIB patina. Quando o
crescimento se acelera não se vê, nem de longe, o mesmo fervor pela redução de
gasto, como, aliás, a experiência de 2009-10 demonstrou à exaustão.
Por fim, a noção de que o problema é de demanda
deve ser pensada com cuidado. O consumo privado tem crescido a 4% ao ano os
últimos seis meses, não muito distinto do consumo público. Juntos representam
pouco mais de 80% da demanda interna e do PIB.
O problema, no caso, é o investimento, cujo
desempenho ruim significa menos crescimento hoje e menor capacidade de
crescimento à frente. Mas o investimento não será destravado pelo aumento do
gasto público (há boas razões para se pensar no oposto), nem pelo crédito
subsidiado. Talvez, quando o governo parar de atirar em todas as direções na vã
esperança de acertar alguma coisa e institua um mínimo de estabilidade de
regras, a coisa voe. Fora disso seremos sempre prisioneiros da Dimensão Z.
– Saca só essa política pró-cíclica meu…
(Publicado 6/Jun/2012)

50 thoughts on “Preso na Dimensão Z

  1. E o que foi a entrevista do Tombini? Vi partes na Globo News. O que dizer de um banqueiro central que fala apenas de incentivos para o crescimento do PIB? Daqui a pouco vão colocar o Luciano Coutinho no Bacen…

  2. Alex, vc entende que investimentos em portos, rodovias, hidroelétricas, etc, devam ser feitos por empresas privadas? Existe o interesse delas? Como resolver gargalos de infraestrutura?
    Ronaldo

  3. Eu acho que os caras olham para o debate nos EUA e na Europa e pensam: "viram só, o Krugman acha que o problema é o colapso da demanda, e que política fiscal ajuda." Pedir para o pessoal diferenciar uma economia com desemprego nas alturas e juros perto dos 0% de uma economia que opera a pleno emprego e ainda com espaço para a política monetária parece demais.

    Zamba

  4. Olá,

    Eu também me preocupo cada vez menos com o crescimento desse ano e do ano que vem. Acho que o governo está amarrado politicamente a esta questão, embora não consiga propor nada de novo. Hoje, o que me preocupa enormemente é a montanha de créditos podres que os bancos públicos devem estar acumulando. Por consequência, lamento também que estejamos antecipando demanda sem que estejamos criando mecanismos de desenvolvimento econômico de longo prazo.

    Abraços,

    Rafael

  5. Nobre bicarequinha
    Você bem merece ter perdido a cobertura duas vezes. Contam-se em uma mão os bons comentaristas deste bloque. Da última vez que elevamos o nível do debate, você ganhou espaço em horário nobre. De minha parte, fiquei muito ofendido por você não ter ao menos mandado um beijinho para a galera.
    Ben Oliveira

  6. ''Sinceramente, nem me preocupo mais com esse debate fiscal. Simplesmente gostaria de saber é pra onde está indo essa montanha de impostos.''

    Você quer saber onde o governo está gastando o dinheiro dos impostos sem se importar com política fiscal?

  7. Alex,

    Mais uma vez volto aqui para dizer que realmente essa inflacao esta fugindo do controle…

    IPCA com 0,36% no mes de maio, com acumulado de 12 meses abaixo de 5% realmente eh tenebroso…

    E agora Jose?

  8. Não acho que o problema seja o incentivo desenfreado a demanda, entendo que o problema é incentivar a demanda pelo lado do Consumo, neste momento o incentivo deveria ser dado pelo Investimento, contudo o discurso do Tombini de apocalipse, que ele vem vendendo desde o ano passado, reduziu o apetite dos empresários e a ineficiência dos gastos do governo em infraestrutura (leia-se desvios de recursos, etc), acabam por reduzir o potencial dos investimentos privado e público. Para piorar a situação temos uma equipe econômica muita fraca, liderada pelo Mantega.
    Sds.
    M.

  9. Uma pergunta: o noticiário fala da queda do preço das comodities como algo positivo para a inflação brasileira, que estaríamos aproveitando a deflação do exterior, contudo se os preços caem em dólares, nós como exportadores receberemos menor quantidade de divisa, tudo o mais constante nossa moeda deveria desvalorizar, com efeitos negativos sobre a inflação doméstica. O raciocínio está correto?

  10. Se o governo conseguir manter o nível baixo de desemprego pode-se aceitar um certo nível de endividamento da população. O problema é manter esse desemprego baixo por muito tempo, já que o modelo de crescimento adotado é insustentável e já mostra sinais de esgotamento. Sobre os créditos podres o que está preocupando mesmo é o que está acontecendo com os pequenos bancos. Não acontecia nada desde o episódico com o banco Santos em 2004, mas de 2010 pra cá os podres começaram a pipocar aparentemente sem justificativa. Será que o BC relaxou demais?

  11. Interpretação errada, na dimensão Z, soluções erradas! Repito aqui o comentarista de seu outro texto, na previsão do PIB deste ano: "Diria 1,7%, só porque acaba em numero primo. Mas dada a disposição do governo de intervir na economia e "acelerar" o crescimento vamos acabar com algo próximo de 0,9%"
    Haveria chance de ser maior se passassem a ver os numeros na dimensão Mão Visível.

  12. Comrade Alex
    Infelizmente o acesso diário e este blog foi vetada na empresa onde trabalho.
    Um feito e tanto para a nova direção e diretoria criada para abrigar ex-presidente de empresa de economia mista (e controlada) e ex-presidente de partido, que diga-se de passagem, fá de uma boquinha.
    Portanto, não terei mais meus minutos de sabedoria diariamente, somente esporadicamente.
    Cabe ressaltar que os blogs com tratamento / visão diferente não foram vetados.
    Censura velada.
    Brados
    Ps: excluir meu número da listagem de 17 leitores.

  13. "Uma pergunta: o noticiário fala da queda do preço das comodities como algo positivo para a inflação brasileira, que estaríamos aproveitando a deflação do exterior, contudo se os preços caem em dólares, nós como exportadores receberemos menor quantidade de divisa, tudo o mais constante nossa moeda deveria desvalorizar, com efeitos negativos sobre a inflação doméstica. O raciocínio está correto?"

    Corretíssimo…

  14. "Mais uma vez volto aqui para dizer que realmente essa inflacao esta fugindo do controle…"

    Aposto que você não voltou aqui quando a inflação surrpreendeu para cima em abril e tenho certeza que não voltará a aparecer em janeiro de 2013, quando ficar claro que a inflação de 2012 ficou entre 5-5.5% (mais perto dos 5.5%).

    Como sei? Sabendo, ora…

  15. Realmente, vc tem razão Alex.

    O BC deveria não ter reduzido mais a Selic, uma vez que o centro da meta é 4,5% e não 5-5,5%.

    A economia patinando e vc preocupado com 0,5-1 ponto percentual de inflação…

    Fala serio… Eu rio de vc, careca!

  16. Alex, outra mentira petista que precisa ser denunciada: “DESEMPREGO NO BRASIL É 6% E ESTÁ BAIXANDO!”
    Veja a lógica: 15 milhões no bolsa família. Estes não estão sendo considerados no desemprego. Portanto se o emprego diminui (o que ocorre com a desindustrialização do país, o que é um fato), aumenta-se os inscritos no bolsa família, mantendo-se o desemprego na % desejada. Elementar! O surpreendente, porém é os cronistas econômicos insistirem em dizer que estamos em pleno emprego (Somente se os 6% de desemprego que o governo confessa se refira aos operários qualificados, aqueles que tiveram seus empregos exportados para Ásia e que estejam no seguro desemprego e que está crescendo segundo estudo do Mansueto).
    Faça as contas: A população ativa é 100 milhões, 15% está no bolsa família. Somados aos 6% que o governo ADMITE como ESTANDO desempregados, temos uma soma de 21% de desemprego. O mesmo nível que a Argentina está.

  17. Direto da Dimensão Z

    "Nos últimos três anos, quase um terço do total dos recursos disponibilizados pelo BNDES foram canalizados para somente dez grandes grupos econômicos privados em processo de concentração e fusão. Se se considerar as empresas estatais, chega-se ao resultado de quase dois terços do total dos recursos (286 bilhões de reais) desembolsados pelo banco público para apenas doze grandes empresas nacionais privadas e estatais. Com isso, a coordenação dos investimentos estimulada pelo aparelho de Estado visa reduzir – quase duas décadas depois da equivocada privatização selvagem imposta pelas políticas neoliberais – a dependência e a subordinação do capitalismo brasileiro, cada vez mais associado à lógica do século XIX (produtor e exportador de produtos primários). Com o deslocamento do centro dinâmico mundial dos Estados Unidos para a Ásia, em especial para a China, o Brasil, assim como toda a América Latina e África, passaram a assumir o papel de principal ofertante de commodities, o que leva passivamente à reprimarização de sua pauta de exportação. A PDP, nesse sentido, projeta o salvamento de alguns setores dessa triste trajetória de subordinação imposta pela trágica condução neoliberal do passado."

    Márcio Pochmann, no n° 15 da revista Margem Esquerda, da Boitempo.(07/12/2010)

    "O Estado e seus desafios na construção do desenvolvimento brasileiro"

    http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17244

    No mundo visível…

    Custo dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES: R$ 22,8 bilhões em 2011.

    http://mansueto.wordpress.com/2012/06/07/custo-dos-emprestimos-do-tesouro-nacional-ao-bndes-r-228-bilhoes-em-2011/

  18. Se essa historica reducao de juros nos levar a uma inflacao de 5,5% no final do ano, frente a uma crise mundial desta magnitude, com reducao de juros para o consumidor brasileiro, entao entendo que o governo agiu de maneira adequada em sua reducao de juros. Nao haveria outro momento mais oportuno. Vc fazia previsoes sombrias quando a inflacao acumulada beirava 7%. Essa sua previsao eh bastante positiva.

  19. "Vc fazia previsoes sombrias quando a inflacao acumulada beirava 7%"

    Falso: eu disse que a inflação ia bater na trave e entrar no ano passado (e foi o que ocorreu) e ficar acima da meta este ano e tenho várias entrevistas na Jovem Pan para a Denise Campos de Toledo dizendo exatamente isso. Quase errei no ano passado…

  20. Realmente, vc tem razão Alex.

    O BC deveria não ter reduzido mais a Selic, uma vez que o centro da meta é 4,5% e não 5-5,5%.

    A economia patinando e vc preocupado com 0,5-1 ponto percentual de inflação…

    Fala serio… Eu rio de vc, careca!

  21. A produção industrial recuou no mês -0,2% e no ano -2,9%. Pior ainda é que a produção de Bens de Capitais caiu 9,8% no ano e a de Bens Duráveis outros 10,3%. Nesse sentido, estou com aqueles que acham os cortes do BC tímidos pois o PIB está nitidamente abaixo do potencial (sejá lá como se calcula isso) e a taxa de juros neutra (seja lá como se calcula isso) está em queda.
    Assume importância a discussão da política fiscal, inflexão oportuna do Alexandre neste post.

  22. Quanto a este papo de careca, vou em defesa da categoria:

    Homens carecas em geral têm mais testosterona.
    Homens com mais testosterona pegam melhor.
    Logo, homem careca é bom de cama.

    Morram de inveja.

  23. A INFLAÇÃO ATÉ MAIO.
    ACUMULADOS ATÉ 05/2012 (META DE INFLAÇÃO 4,5% a.a; 0,367485 a.m):
    META ACUMULADA ATÉ 05/2012: 1,85509%;
    IPCA 2,24 (20,7% ACIMA DA META);
    IPC 10 2,81% (51,47% ACIMA DA META);
    IPC M 2,79%; IGP 10 2,11%; IGPM 2,59%; IPA M 2,24%; INCC 10 2,88%.

    No segundo semestre vai piorar mais ainda?

  24. Alguém conhece o livro "Economics of Worldwide Stagflation", do Michael Bruno e Jeffrey Sachs? Se sim, podem me dar a sua opinião sobre ele?

    Obrigado!

  25. Poderiamos discutir economia, e respeitar pontos de vista distintos. Ninguem entra aki obrigado. Ficar chamando de careca ou qq coisa assim eh muito babaca.

  26. Alex, ainda sobre o DESEMPREGO: Na verdade único emprego que está crescendo é o do estado brasileiro em seus vários níveis e das estatais, as quais não têm compromisso com produtividade, com resultado e quanto mais cresce mais imposto consomem.
    Fuçar este tópico é uma boa contribuição para compreender o estado real da economia.

  27. "Blogger Jorge Browne disse…

    Quanto a este papo de careca, vou em defesa da categoria:

    Homens carecas em geral têm mais testosterona.
    Homens com mais testosterona pegam melhor.
    Logo, homem careca é bom de cama."

    A voz da experiência, pelo visto já provou de tudo.

  28. Nos meus números, os juros reais ficarão entre 2% e 7% (largo né!), produzindo inflação entre 6% e 3%. Como sabemos em qual pedaço da banda o governo gosta de ficar, a Selic ficará perto/abaixo de 8% até aonde a vista alcança (2014, 2015, estou ficandommeio míope!).
    Claro tem o fiscal, indexação, o inexorável aquecimento global e a campanha para Libertadores. O fato é: good times are gone pro CDI! E quem tava no volante foi o Tombini, que assim como o Lula ficará na história como o cara.
    Maradona

  29. Sempre me choca a forma grosseira como o host trata o pessoal aqui. Tem muito sujeito que merece mas há de se esperar mais elegância de alguém que já saiu da puberdade e estudou mais de 20 anos na vida.

  30. "Sempre me choca a forma grosseira como o host trata o pessoal aqui."

    Eu tenho uma solução simples para seu problema: não acesse o blog; garanto, Violeta Enrubescida dos Montes Floridos, que você não mais ficará chocada.

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