Assédio, Globo de Ouro e Angélica. Por Marta Suplicy

Assédio, Globo de Ouro e Angélica

POR MARTA SUPLICY

Por mais que algumas tenham tido um comportamento “patronizing” (maternal), a negra, a latina, a lésbica (etc) estavam representando todas as outras que não são famosas e que nunca conseguiriam ser ouvidas ou respeitadas. É hora de união e aplauso.

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S. PAULO, 
TENDÊNCIAS /DEBATES, EDIÇÃO DE 12 DE JANEIRO DE 2018
A unanimidade, na última edição do Globo de Ouro, se é que existe, foi Oprah Winfrey —aventada como opção a Trump, em 2020.
Vencedora, mulher, negra, símbolo de superação de todos os preconceitos e de abusos: algo suficiente para derrubar qualquer um ou uma.
… Atrizes francesas percebem essa armadilha e, com cem assinaturas, entre elas a de Catherine Deneuve, afirmam: “O estupro é um crime, mas a paquera insistente, ou sem sutileza, não é um crime, nem galanteio é uma agressão machista.” Concordo.
Não foi pouca coisa esse Globo de Ouro! As mais prestigiadas atrizes do planeta envergando preto em protesto aos abusos que permeiam o mundo empresarial, a política, a religião, a cultura e muitos lares.
Não concordo com Tati Bernardi, em coluna nesta Folha (9/1), quando afirma que as atrizes levaram mulheres não famosas ao pódio como se fossem a bolsa da moda.
Por mais que algumas tenham tido um comportamento “patronizing” (maternal), a negra, a latina, a lésbica (etc) estavam representando todas as outras que não são famosas e que nunca conseguiriam ser ouvidas ou respeitadas. É hora de união e aplauso.
As críticas estão aí, e as francesas foram rápidas no seu questionamento, assim como as brasileiras, que já se manifestaram com o “primeiro assédio…”.
Importante é que não teremos volta na guerra contra o assédio, mas, certamente, é preciso cuidado para não cair em uma trilha perigosa: o nada pode. Isso favorece os que dizem “deixem de mimimi” e a oposição às mulheres no embate pendular que, invariavelmente, ocorre em mudanças tão significativas como essa que vem agora como um tsunami.
Atrizes francesas percebem essa armadilha e, com cem assinaturas, entre elas a de Catherine Deneuve, afirmam: “O estupro é um crime, mas a paquera insistente, ou sem sutileza, não é um crime, nem galanteio é uma agressão machista.” Concordo.
Lembro-me de que, estudando nos EUA, nos anos 60, uma colega e eu íamos entrar no elevador, e um colega se apressou para abrir a porta. Jane reagiu: “enquanto isso me custar US$ 1.000 a menos no meu salário, eu mesma abro a porta”. Pasma, eu pensei: “Quero o mesmo salário que o dele e que ele abra a porta…”
Para não sentirmos saudade das paqueras ou do cavalheirismo, o pêndulo tem que ficar no meio. É o desafio. As francesas falam do galanteio que faz com que a mulher se ache linda e da paquera insistente que pode levar, ou não, a aceitar um convite para jantar.
Lógico que, quando existe uma situação de subordinação, a coisa muda de figura. Certamente, não se referem ao molestamento.
Nós, brasileiras, vivemos assédio em situações diversas, casos absurdos como a da ejaculação no pescoço no ônibus.
Temos lei severa (a do estupro, cuja pena é de 6 a 10 anos de reclusão, e mais dura ainda em casos com agravantes); ao mesmo tempo, um vácuo legislativo.
Há juízes entendendo que uma condenação para molestadores, com base na lei do estupro, é exagerada, e isso tem dado margem para que agressores fiquem livres, o que nos causa muita revolta.
Para enfrentar essa situação, apresentei e está para aprovação da Câmara dos Deputados um projeto de lei que institui o crime de molestamento: prevê de 2 a 4 anos de reclusão a quem constranger, molestar ou importunar alguém mediante prática de ato libidinoso realizado sem violência ou grave ameaça.
O assédio virou um símbolo, pois engloba muito mais. É, principalmente, o respeito que merecemos e os limites que esse reconhecimento impõe. Um tempo no qual nenhuma mulher dirá “eu também fui…”

A questão do feminismo entra, definitivamente, no jogo político. Time’s Up para as mulheres. Queremos esta mudança!

Os políticos que se cuidem. No Faustão, Angélica engoliu Luciano Huck. Um cara com reconhecido apelo em todas as classes, que se permite ficar ao lado de uma mulher mais carismática, cheia de beleza e leveza. Quer interpretar?
Eu diria que ela é companheira e, como parceira de uma candidatura, a cena montada foi incrivelmente hábil. Deu oportunidade de mostrar um candidato que valoriza a mulher, que se cala para ela falar e que pareceu moderno nas suas observações. E ela respondendo com maior liberalidade algumas questões de risco mais espinhosas.
A questão do feminismo entra, definitivamente, no jogo político. Time’s Up para as mulheres. Queremos esta mudança!
E, por que não, com flores.

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MARTA SUPLICY –  é senadora pelo PMDB-SP; foi prefeita de São Paulo (2001-2004), ministra do Turismo (2007-2008, governo Lula) e ministra da Cultura (2012-2014, governo Dilma)

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