O outro lado do reverso

Não fiz parte (até onde sei) de um governo que tenha quebrado o país; apesar disto, acredito que cabe voltar ainda uma vez ao tema dos créditos do Tesouro Nacional ao BNDES, abordado na minha última coluna. Naquela oportunidade explorei o custo associado àqueles aportes, expresso pela diferença entre a taxa de juros que o Tesouro paga por sua dívida e a taxa, bastante inferior, a que empresta estes recursos para o BNDES. Agora examino os possíveis benefícios desta política, em particular a contribuição que possa ter dado para mitigar a recessão.
 
Há, por exemplo, quem afirme que, na ausência do apoio do Tesouro ao BNDES, a queda do PIB em 2009 não teria sido de apenas 0,2%, mas consideravelmente maior, em torno de 3%. Trata-se de afirmação audaciosa, que eu gostaria de ver submetida a uma análise quantitativa mais séria.
 
A bem da verdade, entre a eclosão da crise (setembro de 2008) e dezembro de 2009 o volume de crédito do Tesouro ao BNDES aumentou em cerca de 3% do PIB. No mesmo período o montante de empréstimos do BNDES cresceu pouco menos que 3% do PIB. Só espero a estimativa audaciosa acima não esteja baseada nestes valores.
 
A começar porque, como costuma acontecer, há defasagens entre medidas de política econômica e seus efeitos sobre o nível de atividade. Mesmo que determinada empresa tome, digamos, R$ 25 bilhões num dado mês (julho de 2009, por exemplo), ela dificilmente conseguiria transformar todo este volume de crédito em dispêndio adicional naquele mês (e nem nos poucos meses seguintes, se pensarmos sobre o assunto uns dois segundos). Assim, mesmo que os repasses do Tesouro ao BNDES tenham crescido cerca de 3% do PIB, não teriam provavelmente tempo de afetar o PIB em montante igual ainda em 2009.
 
Some-se a isto que praticamente 75% dos aportes ocorreram a partir de junho de 2009, quando a economia já se achava em plena recuperação. A produção industrial, por exemplo, crescera naquele mês pouco mais do que 10% relativamente a dezembro de 2008 (o fundo do poço no que se refere à produção industrial), atingindo expansão de 14% na mesma base de comparação em agosto. O PIB no segundo e terceiro trimestres crescia a um ritmo anualizado pouco superior a 6%, enquanto a demanda doméstica mostrava taxa de expansão correspondente a 10% ao ano. E foi precisamente neste período (junho-agosto de 2009) que o saldo dos créditos do Tesouro ao BNDES saltou quase R$ 87 bilhões, de 1,7% para 4,5% do PIB.
 
Este mesmo argumento pode ser estendido, de forma ainda mais veemente, para o desembolso (R$ 80 bilhões) ocorrido em abril de 2010, quando não pairava sequer sombra de dúvida acerca da recuperação da atividade e o debate já havia se movido para os riscos de sobreaquecimento. Qualquer que tenha sido o efeito dos aportes ao BNDES, quando estes se materializaram a economia já crescia solidamente a taxas consideráveis, impulsionada pela demanda doméstica, cuja expansão era bastante superior ao aumento do produto.
 
É muito difícil, sob tais circunstâncias, argumentar que os aportes ao BNDES tenham evitado uma queda de 3% do PIB em 2009. Por outro lado, é bastante provável que tenham contribuído de forma mais palpável para a aceleração da demanda doméstica no período mais recente (ainda que reste a difícil questão de saber quanto da demanda que ocorreria na ausência dos aportes possa ter sido reduzida pela própria política).
 
Isto significa, portanto, que a taxa de juros requerida para manter a inflação na meta se torna mais alta do que seria sem os aportes ao BNDES, analogamente ao que ocorre quando o gasto público aumenta. Vale dizer, não apenas há dúvidas sobre a efetividade dos aportes para atenuar a recessão, como é possível que esta política tenha resultado em taxas de juros mais elevadas. Se estes são os benefícios, melhor mesmo nem pensar nos custos.
(Publicado 4/Ago/2010)

11 thoughts on “O outro lado do reverso

  1. Considerando a defasagem entre os emprestimos do BNDES e seus efeitos, você acha que a grana despejada pelo dito cujo pode ter alguma coisa com o pico de crescimento de 2010? E pelo jeito a inflação está dentro dos patamares normais, até abaixo, da média do plano real. O que vc acha disso?

  2. Alguns comentários:

    1. Vc usou a conehcida tática de criar um espantalho para bater: fixou-se mt a hipótese heróica dos 3%, em vez de na visão mais ampla de que a queda so pib seria maior que o,2%;

    2. Parace que vc parte da hipótese de que as empresas tomariam os recursos com o bndes e depois iniciariam o investimento, tendo, assim, uma grande defasagem. Poderia ser feita uma outra hipótese de que muitos projetos de investimento que seria suspensos pelas empresas não o foram, devido ao crédito subsidiado do Bndes. Isso teria ajudado a reduzir a queda do PIB.

    abs

  3. A primeira questão já ta respondida no proprio post: "Por outro lado, é bastante provável que tenham contribuído de forma mais palpável para a aceleração da demanda doméstica no período mais recente".
    Quanto a segunda, não seria isso efeito da credibilidade do Bacen, ou a estrutura a termo da taxa de juros positivamente inclinada é só uma coincidência?

  4. "1. Vc usou a conehcida tática de criar um espantalho para bater: fixou-se mt a hipótese heróica dos 3%, em vez de na visão mais ampla de que a queda so pib seria maior que o,2%;"

    "Mantega disse que a operação evitou a queda de 3% da renda nacional em 2009" (Folha de S. Paulo, 22/jul/2010)

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2207201032.htm

    "Poderia ser feita uma outra hipótese de que muitos projetos de investimento que seria suspensos pelas empresas não o foram, devido ao crédito subsidiado do Bndes. Isso teria ajudado a reduzir a queda do PIB."

    Yeah, right…

  5. Alex,

    Bem interessante. Apesar de que a racionalidade do empresariado brasileiro não funciona exatamente dessa forma. Pelo lado dos businessmen, a hipótese da manutenção dos investimentos é bem plausível, assim como a da decisão presente prevendo o aumento futuro dos desembolsos do BNDES. Isso poderia ter explicado a variação observada no PIB. Quanto à criação de novos investimentos, sabemos que isso é balela: projetos não são criados do dia para noite. O que houve foi uma larga antecipação de investimentos. Sabiamente, o empresariado brasileiro sabe que, também devido a esses aportes, a taxa de juros e/ou a arrecadação futura deverão subir. Nada mais sensato que antecipar seus investimentos.

  6. Alex,

    Senti o Friedman puxando a gente pelo pé com o argumento das defasagens de política econômica levando a exacerbação do ciclo…com razão ?

    Abs

    JA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter