A arte de escutar. Por José Paulo Cavalcanti Filho

A ARTE DE ESCUTAR

Por José Paulo Cavalcanti Filho

…  isso, talvez, fosse pedir demais. Que o vice americano age como se fosse presidente. Enquanto, o nosso, como se fosse ninguém.

Semana passada, o presidente Michel Temer dispensou tradutor no seu encontro com o vice dos Estados Unidos – Mike Pence. Fez muito mal. Que o vice falou grosso. Contra os imigrantes em geral, “Não venham”. E mal de nossa Latino-América. O Brasil no meio, claro. Em troca Temer, com cara de paisagem, deixou de dar a resposta firme que o gringo merecia.

…“Fale em português mesmo. O americano, com quem vai negociar, fala fluentemente o espanhol. Vai entender o que disser. E, no tempo da tradução, ele estará pensando na resposta. Faça o mesmo. Quando o intérprete estiver traduzindo o que ele disse, escolha as palavras antes de falar”

Volto no tempo. Em 1985, tínhamos um problema no combate às drogas. Os Estados Unidos eram (ainda são) grandes fornecedores de Éter e Acetona, insumos indispensáveis ao refino da pasta base da cocaína. Traficantes importavam contêineres pelo Porto de Santos – com indicação, nas notas fiscais, de serem outros produtos. E pagando imposto. Esses contêineres eram retirados por eles ou mandados ao Paraguai, perdendo-se no percurso a carga que ficava no Brasil mesmo.

Fui a Washington pedir que a Polícia Federal fosse avisada sobre esses embarques. Qual o navio e qual a quantidade de Éter ou Acetona em cada contêiner. Que, a partir daí, poderíamos fiscalizar as cargas. E as apreender, fosse o caso. O encontro se deu, na Casa Branca, com o assessor de Ronald Reagan para as drogas. Já nem recordo seu nome. Mas lembro, perfeitamente, das portas brancas: a do escritório dele; a de Nancy, bem perto; e, em seguida, a do seu marido presidente.

Na véspera, fui convidado pelo embaixador do Brasil, Sérgio Corrêa da Costa, para um jantar em sua casa. Conhecíamos o casal, ele e dona Zazi (filha de Oswaldo Aranha), de quando era embaixador em Londres. Num encontro que tivemos, nós e Marcos Vilaça, com Emerson Fittipaldi, então campeão do mundo na sua Lotus preta. Sendo estrela da noite não o piloto, mas a sobremesa – goiabada cascão com queijo de coalha, iguarias inestimáveis para quem andava longe de seu país.

Na verdade, Sérgio queria dar um conselho. O de que eu não deveria conversar em inglês com o cidadão. “Fale em português mesmo. O americano, com quem vai negociar, fala fluentemente o espanhol. Vai entender o que disser. E, no tempo da tradução, ele estará pensando na resposta. Faça o mesmo. Quando o intérprete estiver traduzindo o que ele disse, escolha as palavras antes de falar”. Essa regra, de saber escutar, hoje nos faz falta. Muita. Quando sentimos, por aqui, ódio de quem diz algo que não gostamos. Pobre Brasil, fraturado e em crise.

No fim, o encontro deu em nada. Os Estados Unidos não estavam dispostos a interferir nas práticas de suas empresas. Pondo a grana do seu comércio acima de qualquer outra questão. O que era contraditório. Porque, em todos os encontros que tivemos antes sobre as drogas, o país prometia auxiliar o Brasil no que pudesse.

Enfim… Palavras ao vento. Nós que nos virássemos.

… Essa doença Temer não tem. Que mexe as mãos, ao falar, como quem está passando sabonete nos dedos. Melhor seria responder à altura…

Voltemos ao Brasil de hoje. Pena Temer não ter seguido esse conselho do embaixador. Que, tivesse um tradutor, poderia (talvez) pensar melhor e responder mais adequadamente. O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, por conta de uma conversa superior em seu inglês britânico (que deixou Donald Trump embasbacado), e de um fortíssimo aperto de mão que lhe deu, foi diagnosticado (revista Visão, de lá) como tendo BDE (Big Dick Energy). Segundo o Dicionário Urbano, “confiança sem arrogância”.

Essa doença Temer não tem. Que mexe as mãos, ao falar, como quem está passando sabonete nos dedos. Melhor seria responder à altura. Ou, em tempos de eleições, fazer um gesto bem brasileiro – que o Recife conhece bem de carnavais passados. Dando-lhe, com essas mãos, uma banana.  Mas isso, talvez, fosse pedir demais. Que o vice americano age como se fosse presidente. Enquanto, o nosso, como se fosse ninguém.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
jp@jpc.com.br

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