Refugo Social. Por Meraldo Zisman

  REFUGO SOCIAL

                                                       FELIZ ANO NOVO!

MERALDO ZISMAN

Como não sou comerciante, empresário, ou assemelhado aconselhava aos meus alunos do curso de Medicina, antes da aposentadoria compulsória, a não fazer Pediatria; melhor especializarem-se em Geriatria. E tratem bem os velhos, pois matando os velhos vocês acabam com a História e as farmácias, também. Cuidem muito bem desses refugos sociais…

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Dizem que o século XXI alterou a imagem de como o idoso é visto. Se mudou, foi somente na aparência. A velha ideia de ser um velho indivíduo que vive das lembranças do passado (as lembranças são sempre de tempos passados) persiste, apesar das negativas pirotécnicas dos politicamente corretos. Demonstrar preconceitos agora é antissocial.

O velho foi transformado em sujeito ativo, capaz de produzir, intervir em transformações políticas e sociais e outras tantas baladas do tipo “Trá-lá-la” da minha infância, cuja letra é assim:

As flores já não crescem mais, /Até o alecrim murchou, /O sapo se mandou, /O lambari morreu, /Porque o ribeirão secou! /As flores já não crescem mais, / Até o alecrim murchou, /O sapo se mandou, /O lambari morreu, / Porque o ribeirão secou! /O lambari morreu, /Porque o ribeirão secou! / oh trá-lá-la…(estribilho) … Memória fraca… viva o Google!

As mudanças ilusórias da velhice não foram consequência dos avanços da ciência, mas do fortalecimento da indústria comercial-farmacêutica, com o aumento do número de farmácias, pelo menos onde moro na cidade do Recife. Criaram-se tantas que há três ou quatro em cada esquina – às vezes muito mais.

Acredito (posso estar enganado!) que esse aumento fenomenal no número de farmácias deve-se tanto à lucratividade das hipermedicação que ocorre nos receituários médicos quanto à “empurraterapia” (indicar remédio sem receita), dos balconistas desses estabelecimentos.

Dado que as doenças são as mesmas, acredito como velho médico (esculápio), ser a proliferação de tais comércios motivada pela enorme variedade de medicações inventadas e produzidas pela indústria farmacêutica.

O fato é que nós, os velhos, passamos a ser novos consumistas. Viva. No dizer do Zigmund Bauman, um sociólogo judeu polonês que morreu aos 91 anos, alerta, a troca dos epítetos velho, avelhantado, acabado, troço velho, pelo de pessoa idosa foi motivada sobretudo pela tendência de usar termos “politicamente corretos”. É feio, pelo menos por agora, demonstrar animosidade e preconceito para com esses considerados “refugos da modernidade líquida”.

Assim sendo, como a moda vai e volta, mas quando volta, volta um pouco diferente da anterior, modernizou-se o slogan trazido do Portugal pelo simpático seu Manuel, dono da venda da esquina da minha rua de infância:
“O freguês tem sempre razão” e concluía, baixando o tom de voz, “nem sempre”.

Para os apressados de hoje, explico:

Freguesia, em economês, é o chamado Mercado. O mercado revela a vontade da soma dos fregueses. Descobrir as tendências deles é a chave do sucesso de qualquer empreendimento.  Como não sou comerciante, empresário, ou assemelhado aconselhava aos meus alunos do curso de Medicina, antes da aposentadoria compulsória, a não fazer Pediatria; melhor especializarem-se em Geriatria. E tratem bem os velhos, pois matando os velhos vocês acabam com a História e as farmácias, também. Cuidem muito bem desses refugos sociais

Desejo a todos os velhos – novos consumistas,

Feliz Ano Novo!

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

 

 

 

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