Animais e Escritores (Kafka e Freud). Por Meraldo Zisman

ANIMAIS E ESCRITORES

(Kafka e Freud)

MERALDO ZISMAN

…Enquanto professor de Pediatria, quando um jovem me perguntava o que devia ler, eu lhe respondia: — Leia os clássicos. Neles encontrarão as respostas do Mundo e da Vida…

O escritor é pouquíssimo compreendido, e em um de seus comentários me incita a iniciar essa crônica pelo seu nome, Franz Kafka: “O macaco adestrado de “Informação para uma Academia.” Kafka escreveu para a Europa e foi mal compreendido. Já imaginastes as jaulas todas da miopia cultural contemporânea.

O que passou a imitar os homens para encontrar uma saída da jaula em que se encontrava. Assim o fazendo, começou a pensar e raciocinar como um homem, um artista famoso.  “Com um esforço que até hoje não se tornou a repetir sobre a terra, consegui ter a cultura média de um europeu”. “Isto em si possivelmente não seria nada, mas é algo, contudo, na medida em que me ajudou a deixar a jaula e a propiciar-me esta saída especial; esta saída humana”, afirma o bem-sucedido símio.

A imitação deixa de ser um traço da condição humana e torna-se saída possível para um animal capturado e ferido. Ao entreter os homens, o macaco tem a oportunidade de ser livre, no sentido mais lato do adjetivo, como ele próprio frisa aos acadêmicos, seus ouvintes (Franz Kafka).

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 “Cães amam seus amigos e mordem seus inimigos, bem diferente das pessoas, que são incapazes de sentir amor puro e têm sempre que misturar amor e ódio em suas relações”. (Sigmund Freud)

Não falarei sobre cães e outros animais. Mas como começo por Kafka e influenciado pelos animais dos seus textos aproveito a frase atribuída ao outro autor em arrolado, desta vez o Sigmund Freud.

 Quem escreve para as massas ou para a crítica arrisca-se a perder a eternidade. Franz Kafka era menos obscuro do que pensamos e Freud menos sexual do que imaginamos. Lido e até escutado pelos seus colegas literatos, as histórias de Kafka eram recebidas em lágrimas (de riso) pelo absurdo dos seus enredos. Foi preciso a destruição material e moral da Europa, para que as histórias de Kafka passassem a ser prenúncios de um mundo sombrio, burocrático, totalitário, onde a liberdade individual é esmagada e, as previsões de Freud sobre a natureza do homem até hoje sejam discutidas e, até olhadas com muito ódio. Por que tanto ódio(?), não saberia dizer.

Se o passado ensina alguma coisa é que a universalidade de um escritor depende do equilíbrio sutil entre a visão do seu tempo e a relevância dessa visão para tempos posteriores.

Eles se tornaram uma passagem obrigatória pelos que enveredam pela imbricada área do pensamento em qualquer época e em algum confronto.

O estudioso está obrigado a por eles passear para seus escritos, quer desejem ou não. Inclusive se fornicou com a cunhada ou não. Se foi um viciado em cocaína. As minúcias de sua vida pessoal nada mais são que pequenez humana. Se se transformou num burocrata e tuberculoso, referindo-me ao Kafka, pouco importa. A relevância de um escritor depende sempre do mundo futuro: das suas referências ideológicas, estéticas ou morais. Por isso eles dois, além de outros, sempre são tomados como referências. Enquanto professor de Pediatria, quando um jovem me perguntava o que devia ler, eu lhe respondia: — Leia os clássicos.

Neles encontrarão as respostas do Mundo e da Vida.

[IMAGEM DE ABERTURA – WINNIE – BORDER COLLIE DO AUTOR E AFILHADO DA EDITORA]


Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

 

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