Bicicletas e embaixadas. Por José Paulo Cavalcanti Filho

BICICLETAS E EMBAIXADAS

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

E assim se daria, não fosse a teimosia de Geraldo Freire. Para quem Pernambuco tinha direito de ouvir a voz de quem quase foi seu governador. Razão pela qual ofereceu uma bicicleta para quem conduzisse o candidato a uma entrevista…

EMBAIXADA DO BRASIL EM WASHINGTON

Homero Lacerda inventou de ser Senador. Em 1990. E quase foi mesmo. Ocorre que a Lei Eleitoral daquele tempo exigia ter também, cada partido, candidato a Governador. Complicado é que ele soube só no último dia do prazo. E, por absoluta falta de tempo, acabou tendo que usar o único filiado próximo e disponível. João Batista, vigia de uma das suas empresas – a HL, aqui no Recife, onde a reunião se dava. Os eleitores não tiveram o prazer de ver seu nome, nas propagandas. Por receio que algum jornalista o entrevistasse, Homero deportou o pobre homem para São Paulo. Voltou só depois da eleição, a Pernambuco e à vidinha de sempre. Tudo parecia indicar que não mais se falaria nele. E assim se daria, não fosse a teimosia de Geraldo Freire. Para quem Pernambuco tinha direito de ouvir a voz de quem quase foi seu governador. Razão pela qual ofereceu uma bicicleta para quem conduzisse o candidato a uma entrevista.

… Penso nesse caso ao ver o Presidente indicando um filho pra ser Embaixador. Só que não são histórias iguais. João Batista tinha direito à tal bicicleta. Afinal, foi ele quem levou ele mesmo à rádio.

 

 

Quase ninguém sabia quem era João Batista. Mas seus vizinhos, sim. E formou-se um tumulto, na porta, com todos querendo aquele prêmio. João Batista acordou com o alvoroço. Ao saber da oferta, vestiu-se apressado, pulou o muro por trás da casa e foi correndo até a Rádio Jornal. Entrou esbaforido no estúdio e pronunciou palavras com as quais ficou famoso: “Bom dia, dotô Geraldo, eu sô João Batista. E quem trouxe mim foi mim mesmo. Agora, mim dê a bicicreta”. Fugit irreparabile tempus, dizia Virgílio. Na eleição seguinte, Homero acabou vereador do Recife. E, até hoje, João Batista continua seu vigia.

Penso nesse caso ao ver o Presidente indicando um filho pra ser Embaixador. Só que não são histórias iguais. João Batista tinha direito à tal bicicleta. Afinal, foi ele quem levou ele mesmo à rádio. Enquanto o filho do homem nada fez para merecer tal honraria. Diplomata é cidadão que vive como exilado, na terra dos outros; para, ao se aposentar, viver como exilado em sua própria terra. É minha definição para trabalho tão difícil. Claro que ser Embaixador não é privilégio de diplomatas de carreira. Só que precisa ter currículo, para cargo tão importante. Ter história. E o menino não tem. Simples assim. Não comentei antes, esse caso, admitindo que o Presidente logo compreenderia seu erro. Mas era para valer, pena. A cada fala ou decisão sem sentido que toma, como essa, uma crise. Vai ser difícil.

__________________

José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
jp@jpc.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter