RUA DA ALEGRIA

A festa da luz elétrica na Rua da Alegria

        RECORDAÇÕES DA MINHA INFÂNCIA – II

RUA DA ALEGRIA

No bairro da Boa Vista, na cidade do Recife, a rua da Alegria foi uma das últimas a receber iluminação pública a eletricidade. Por isso, foi por muito mais tempo embelezada pelos lampiões de gás, “Fabricados na Inglaterra”.

Românticos, porém pouco eficientes quanto à sua funcionalidade. E, como acontece com todo mundo, os seus moradores ressentiam-se da falta desse progresso, frustrava-os residir em rua sem iluminação elétrica. Criam-se vítimas de discriminações da vereança ou outras fantasias. O meu pai e minha mãe, também. As crianças, ‘idem’. Até as domésticas estavam revoltadas numa união única de patroa com empregada.

Esgotados os trâmites administrativos, políticos ou legais para agilizar a eletrificação de nossa via pública, os moradores se constituíram em comissão das mais insignes para, em conjunto, acionarem através do poder da mídia o procrastinado pleito da modernização de nossa amada rua. Procurado foi então um jornalista profissional que aceitou de bom grado acionar as autoridades em prol da justa causa. E, através de sua coluna domingueira — “Recife, Como Ele É” (nome fantasia), iniciou a batalha. Publicou em sua coluna dois artigos sobre a situação vexatória da rua sem iluminação pública, in titulados de: A alegria apagada e Prefiro a penumbra da falta de luz à escuridão da ditadura.

Não sei se foi por coincidência ou não, logo após a publicação dessas crônicas chegaram à nossa rua caminhões da prefeitura acompanhados por viatura de funcionários da companhia inglesa, concessionária da produção e distribuição de eletricidade para o Estado de Pernambuco (A “Pernambuco Light & Power”).

posteE, em menos de 15 dias, estavam os postes de iluminação fixados, os fios, os transformadores, os refletores, as lâmpadas e demais apetrechos afetos ao ofício de iluminação elétrica de via pública. Diga-se, tudo foi concluído no cronograma determinado pelo súdito de Sua Majestade, responsável pelo Departamento de Iluminação Externa.  E, como fora combinado, no primeiro domingo após o carnaval, pontualmente às 18:30 horas, fez-se a luz na Rua da Alegria, com pontualidade britânica. Pleito atendido. E mais: devido à demora na instalação, a rua ficou mais iluminada do que as suas congêneres pelo uso de aparelhagem de luz mais moderna, recém-chegada do Reino Unido. Alguns dos seus moradores externaram a opinião de que a demora fora até salutar.

Todos estávamos então ansiosos para participar dos festejos em comemoração ao grande evento. Algumas das casas tiveram suas fachadas repintadas, cadeiras de calçada para as conversas de rua foram devidamente polidas ou recondicionadas e as calçadas foram lavadas com água e sabão, num mutirão constituído pelas donas de casa e respectivas domésticas na manhã do importante domingo.

A partir das 18 horas daquele dia de descanso a maioria dos moradores da rua da Alegria estava a postos, esperando o grande acontecimento. Donas de casa, criançada, chefes de família, todos na rua e envergando as nossas melhores roupas.

Logo depois da ligação da iluminação pública nós, os habitantes da Rua, entoamos emocionados o Hino Nacional, ao término do qual o 2.º sargento reformado da Brigada Militar que morava na casa pegada a nossa bradou um VIVA O BRASIL, com a sua melhor voz de timbre marcial, viva essa que se fez acompanhar por coro coletivo dos agora iluminados — moradores da RUA DA ALEGRIA.

Grande foi a confraternização. Não faltaram os doces, licores de jenipapo e pitanga. Sem falar nos refrescos de frutas e bolos regionais, além dos salgadinhos confeccionados na confeitaria Helvética, afamado estabelecimento de iguarias cito à Rua da Imperatriz cujo nome completo é Rua da Imperatriz Thereza Cristina. Não sei porque até hoje não é conhecida por seu nome completo. Será por causa republicana ou esquecimento histórico da monarquia? Eu não sei! Isso será tarefa para os nossos historiadores.

LEIA TAMBÉM: O blecaute e a sirene. Por Meraldo Zisman

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.
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