Todo o mundo e ninguém. Por José Paulo Cavalcanti Filho

TODO O MUNDO E NINGUÉM

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

… Achando pouco, agora pretendem o orçamento impositivo. Na tentativa de operar um parlamentarismo branco. Misturados, nesse bloco, desde quem quer só um país sem roubalheira, até os que prefeririam ver logo o Congresso fechado (um horror!)…

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Em 1531, Gil Vicente escreveu Auto da Lusitânia. Encenado só no ano seguinte. Quando, na Europa, findou a Peste Negra – que mandou, aos céus, 25 milhões de almas. O que faz lembrar nosso Coronavírus. A história se repete, dando razão a Maquiavel (O Príncipe). Contra Marx (18 Brumário) e sua teoria de que só se reproduz como farsa. Penso nisso ao lembrar dois personagens dessa peça de teatro. Um é o rico Todo o Mundo. Que se apresenta dizendo: “Eu hei nome Todo o Mundo/ E meu tempo todo inteiro/ Sempre é buscar dinheiro/ E sempre nisto me fundo”. Enquanto seu contraponto é um pobre operário, Ninguém, que se anuncia: “Eu hei nome Ninguém/ E busco a consciência”. Donde “Todo o Mundo quer dinheiro” e “Ninguém quer trabalhar”.

No Brasil de hoje, imitando a trama desses personagens, há também dois grupos distintos. O primeiro está indignado com um Congresso que ainda pratica, descaradamente, a Velha Política. O toma lá, dá cá de antes. Especialmente depois que acabou a boquinha dos Ministérios reservados a financiar suas eleições (e não só para isso). Tanto que o fundo eleitoral proposto por Deputados e Senadores, para ficar em só um exemplo, foi de quase 4 bilhões. Quando o país que mais gasta, no financiamento público das campanhas eleitorais, é a França. Com 300 milhões. Achando pouco, agora pretendem o orçamento impositivo. Na tentativa de operar um parlamentarismo branco. Misturados, nesse bloco, desde quem quer só um país sem roubalheira, até os que prefeririam ver logo o Congresso fechado (um horror!).

Resultado de imagem para all people… Enquanto nosso país tiver só dois lados, o debate será sempre de baixa qualidade, estéril, pobre, sem sentido. A crise da razão é uma crise sem razão. Valendo, novamente, citar a farsa de Gil Vicente. Que conclui um debate, entre aqueles personagens, com a célebre frase: “Todo o Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade”.

O outro grupo insiste que tudo vai mal. Denuncia o fachismo, a censura, a falsa moral, e vê milicianos surgirem por toda parte. São os que desejam o impeachment do Presidente. E, agora, reagem contra as manifestações programadas. Como se o povo nas ruas, expressando sua opinião, pudesse ameaçar a Democracia. Sobretudo porque não é um protesto contra o Congresso, instituição. Mas, apenas, cobrando uma outra postura de Deputados e Senadores. Seja como for, não estamos bem.  Enquanto nosso país tiver só dois lados, o debate será sempre de baixa qualidade, estéril, pobre, sem sentido. A crise da razão é uma crise sem razão. Valendo, novamente, citar a farsa de Gil Vicente. Que conclui um debate, entre aqueles personagens, com a célebre frase: “Todo o Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade”.

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José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.

 

1 thought on “Todo o mundo e ninguém. Por José Paulo Cavalcanti Filho

  1. O colunista, a quem respeito e admiro por sua obra, tira do contexto a tal manifestação prevista para o próximo dia 15 de Março. Não se trata de um evento espontâneo, pois foi convocado pelo próprio presidente da República, algo inusitado em nossa História republicana. Parece que o Dr. José Paulo ignora a escalada autoritária desse governo, os sucessivos ataques aos órgãos de imprensa e aos jornalistas, a carência de propostas consistentes de novas reformas, tão prometidas durante a campanha eleitoral de 2018. Também não embarco nessa onde de “tudo vai bem” ou “tudo vai mal”. Mas a democracia é um regime que necessita, para sobreviver, de nossa permanente vigilância e espírito crítico.

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