11 de setembro

11 de Setembro. Por José Paulo Cavalcanti Filho

11 de setembro

Amanhã, serão 20 anos dessa data. E o que dá para chorar, dá para rir. Assim, em vez de lembrar a tragédia (tantos já fizeram isso), prefiro contar o que aconteceu com um casal querido, Lourdeca e José Maria Pereira Gomes (hoje, apenas saudade). Manhã de terça-feira, chegaram em Nova York. Não sabiam, mas esta seria a única boa notícia do dia. Que os aviões–bomba de Bin Laden já passavam pela Estátua da Liberdade. Um táxi os levava do aeroporto Kennedy ao Newark, onde fariam conexão para Washington. À noite, estariam na abertura de Congresso Mundial de Cardiologia, próximo ao Pentágono. O motorista era um brasileiro, Orlando. Como todos os motoristas de táxi de Nova York, falando um inglês de quinta categoria.

Na ponte Verrazano, local de partida da maratona de NY, ouviram a primeira explosão. E caminhões, motocicletas, bombeiros e ambulâncias com sirenes enlouquecidas. Maus presságios. Pelo rádio, souberam que um avião entrou pelo World Trade Center. Depois o outro. E o motorista, apavorado, só gritava “o que está acontecendo?, o que está acontecendo?” Trânsito engarrafado. Pelo rádio souberam que os aeroportos estavam fechados. Cavaletes policiais interditavam a ponte Bayone, que dá acesso a Nova Jersey e Manhattan – já prenunciando que eles, ao menos dessa vez, voltariam ao Brasil sem pôr os pés no Bloomingdales. O locutor anunciou one tower has collapsed. Tentaram voltar pela ponte Verrazano, agora já bloqueada. Meio-dia e estavam presos na pequena e sem graça Staten Island.

Procuraram hotel e acabaram encontrando um que lembrava Al Capone – com móveis, pinturas e cheiros daquele tempo. No lobby, mais de 100 casais esperando quartos e rezando. Uma espécie de antessala do apocalipse. A distribuição se daria por sorteio. Disse o nome. E, por não confiar tanto assim na sorte, foi junto uma nota de cem dólares que o gerente embolsou, discretamente. Receberam a ficha no 20. Lembrou para jogar no bicho.

 A noite veio e ainda esperavam. Por cima das malas. Sem lanche. Sem água. Sem notícias. Até que, afinal, alvíssaras. O investimento valeu a pena. Ganharam o último quarto disponível. Sem televisão. E sem ar condicionado, numa temperatura local de quase 40º. Para piorar, o único restaurante do hotel era mexicano. E foi ali que à noite, entre outros homeless, ouviram perplexos a voz gaguejante do Presidente Bush, na televisão, “somos um grande país… uma nação forte… que Deus abençoe a América”. E os que passavam por lá, como aqueles dois brasileiros.

Ainda ficaram seis dias no mais puro sofrimento. Pagando diárias que expressavam, admiravelmente, os efeitos da lei da oferta e da procura. Comendo só fajitas e tortillas. No café, no almoço e no jantar. Contaram os custos da viagem – motorista, diárias perdidas do hotel de Washington, propina, diárias roubadas no hotel de Capone e 100 mil milhas do cartão Varig jogadas fora. Negocinho da China. Até que, Deus é pai, conseguiram voltar. Tendo antes de entrar no avião, ironia suprema, que nos auto falantes do aeroporto ainda ouvir a voz melosa de Louis Armstrong anunciando que o mundo era maravilhoso, “What a Wonderful World, oh yeahhhhhh”.


José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.

jp@jpc.com.br

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2 thoughts on “11 de Setembro. Por José Paulo Cavalcanti Filho

  1. Um momento apolapitico que todos queremos esquecer! Nos furtarmos a qualquer menção é ingenuidade. Esquecermos, insanidade. Parabéns!

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