A volta do cipó de aroeira. Coluna Carlos Brickmann

A VOLTA DO CIPÓ DE AROEIRA

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 22 DE ABRIL DE 2020

O presidente Bolsonaro foi agressivo, radical, mas o texto de seu discurso se manteve dentro da lei. Entretanto, compareceu a uma manifestação pelo fechamento do Congresso e do Supremo, pela intervenção militar, pela volta do Ato Institucional nº 5, que marcou o mais terrível momento da ditadura, ouviu os gritos exigindo a ditadura, sem rejeitá-los, e participou do ato.

É provável que tenha errado o cálculo, e percebido o erro: no dia seguinte, já garantiu que é um democrata, que jamais pensou em fechar Congresso e Supremo. Do lado de fora, analisemos: se Bolsonaro não quer o golpe, deu a impressão de que quer, unindo contra si todos que se opõem a ditaduras. Caso tente o golpe, pode perder – e, no caso, perde tudo; ou ganhar – e, no caso, por que generais da ativa iriam obedecer a um cavalheiro que só chegou a tenente e passou a capitão apenas por promoção automática, ao deixar a farda? Ele é comandante-chefe das Forças Armadas por ter sido eleito. Após um golpe, seria só uma patente inferior mandando nas patentes superiores.

Na sucessão do presidente Médici, o general Albuquerque Lima era forte. Perdeu por ter três estrelas, não quatro. E a Censura proibiu qualquer referência a ele. Na sucessão do presidente Geisel, o ministro e coronel Jarbas Passarinho – com carreira militar e experiência política, bom de voto, era forte. Perdeu quando o ministro da Guerra, general Orlando Geisel, disse que não obedeceria a um coronel.

Hierarquia é hierarquia, e isso não muda.

 A voz das armas

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, conversaram sobre a manifestação. Nenhum dos dois revelou nada, mas Toffoli parecia tranquilo após a conversa. O ministro, mais tarde, emitiu nota lembrando que as Forças Armadas “trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”. Isto nem precisaria ser lembrado; mas o general

Fernando Azevedo aparentemente não quis deixar qualquer dúvida no ar.

 Golpe fácil

Se os manifestantes favoráveis à intervenção militar acham mesmo que esta é a solução, o caminho é fácil: convencer Bolsonaro a renunciar. Assume o vice, general Hamílton Mourão, quatro estrelas, com grande prestígio nas Forças Armadas. Assim realizarão o desejo de ter um general no poder.

 Ação e reação

O ministro Alexandre de Morais, do STF, autorizou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a abrir inquérito sobre as manifestações em favor da ditadura. Aras deve apurar se houve infração à Lei de Segurança Nacional “por atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”.

Disse Aras: “O Estado brasileiros admite única ideologia, que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”. Bolsonaro, que compareceu à manifestação de Brasília e discursou, não é citado e não será investigado, a menos que haja indícios de que ajudou a organizar o movimento.

 Texto e contexto

Há muitos anos, o notável meteorologista Rubens Junqueira Vilela era o responsável pelo setor na Folha de S.Paulo. Mas, apesar de seu bom texto, poucos na Redação se davam ao trabalho de lê-lo. Tão logo ele entrava, todos sabiam como seria o tempo. Se estivesse de guarda-chuva, iria chover. Se estivesse agasalhado, iria esfriar. Seguíamos o que mostrava, não o que dizia.

Atualizemos o tema: o presidente esteve na manifestação antidemocrática e não disse nada diante dos gritos pela volta do Ato 5 e outros. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, já disse que para fechar o Supremo bastariam um cabo e um soldado (e papai nada comentou). O ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, Ernesto Araújo, publicou anteontem em seu Twitter foto da manifestação de domingo e seu chefe, o presidente, quedou-se quieto.

Bolsonaro efetivamente fez declarações pró-democracia a partir desta segunda-feira. E, lido sem má vontade, seu discurso é radical, mas fica nos limites da lei. Mas gente próxima a ele foi simpática ao ato, e até já havia se manifestado contra as instituições. E ele sempre garantiu que não houve ditadura nem tortura. É “façam o que eu digo” ou “façam o que eu faço”?

 Alternativa

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Lembra quando a esquerda é que detestava a Globo? A Cultura foi uma das tevês onde Chico Buarque fez alguns de seus mais notáveis espetáculos.

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3 thoughts on “A volta do cipó de aroeira. Coluna Carlos Brickmann

  1. O Orlando Geisel faleceu em 1974 e não participou da sucessão do irmão. A propósito, o sucessor de Ernesto Geisel no Planalto, João Figueiredo, entendo que era do mesmo grupo dos generais Orlando, Costa Silva e outros.
    Também tenho dúvidas que Passarinho almejava o Planalto. Temos na história o desejo explicito de Hugo de Abreu; bem como o implícito de Silvio Frota, defenestrado em 1977.

  2. No início:
    “Bolsonaro foi agressivo, radical, mas o texto de seu discurso se manteve dentro da lei.”
    No fim:
    “Lido sem má vontade, seu discurso é radical, mas fica nos limites da lei.”

    Triste país. Para dizer que seu chefe do governo, vejam só, permaneceu nos limites da lei, a gente precisa iniciar a frase com uma conjunção adversativa. Parece que se tornou mais comum falar de nosso presidente como agente de ilegalidades do que como representante da lei na qual se elegeu. Aonde chegamos! Para esse nosso presidente, democraticamente eleito, democracia sempre será um ‘porém’. Eventualmente, um ‘apesar’.

    (Em tempo: peça a um psicótico para renunciar a alguma coisa, e veja do que dá.)

  3. “O ministro Alexandre de Morais, do STF, autorizou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a abrir inquérito sobre as manifestações em favor da ditadura.”

    Essa iniciativa do Aras referendada pelo Alexandre é uma agressão à liberdade de expressão, a segunda dele (censura do Crusoé e O Antagonista em abril de 2019). Estranho que jornalistas do seu calibre não se insurjam contra ela. Estar na Lei de Segurança Nacional não importa, a lei nesse ponto está errada. Lembre-se de que ela foi gerada em 1983.

    Podíamos passar a chamar o Alexandre de Inquisidor-Mor, o que acha?

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