Só ganhar ou só perder. Por Fernando Mady

Só ganhar ou só perder. Por Fernando Mady

… É necessária a preparação de nossos pequenos produtores como melhor defesa na livre concorrência, porque são a alma, a história e a cultura do setor rural brasileiro, o que é o traço diferencial dos frutos e que pode ser elemento de vantagem diante dos concorrentes.

Só ganhar ou só perder. Por Fernando Mady

A história dos produtores agrícolas italianos é instrutiva para os brasileiros. Sua atividade é artesanal, em área reduzida, com pouca produção mas de alta qualidade. A mão-de-obra costuma ser familiar e as propriedades historicamente são ligadas às suas árvores genealógicas.

A União Europeia surgiu engajada em quebrar barreiras de comércio entre os Estados Membros. Para tanto, o Direito Agrário Europeu apostou na livre concorrência, em igualdade entre os seus produtos e competitividade com os estrangeiros; em obter insumos a preços menores; e em diversidade na oferta de alimentos para o mercado consumidor.

Ocorre que a aposta no fim dos subsídios estatais e das barreiras fiscais ao setor agrícola criou obstáculo aos produtores italianos habituados à herança cultural de seus antepassados. Como não eram eficientes na geração de bens, tornaram-se vulneráveis diante da livre concorrência baseada no Tratado de Funcionamento da União Europeia – TFUE.

Inúmeras exceções à regra geral foram criadas para tentar enfrentar esta situação, contidas nos artigos de 107 a 109 do Tratado. Para tanto, é necessária a aprovação da Comissão e a notificação prévia dos Estados-Membros, para que estejam alertados e economicamente preparados.

A Comissão é a única instituição da UE que apresenta legislação para adoção pelo Parlamento e pelo Conselho, e é formada por peritos dos Estados-Membros. O fato é que a União Europeia e o Mercosul vêm trabalhando há mais de 20 anos num acordo de livre comércio entre os blocos econômicos.

A exemplo dos produtores italianos, é possível citar os de castanhas-do-Pará, também com produção artesanal e rústica. Sua subsistência depende das castanheiras, árvores que chegam a viver 500 anos e podem atingir até 50 metros, a altura de um prédio de 16 andares.

… a regularização fundiária é o fundamento para proteger e fomentar os direitos ligados à terra, não apenas das atividades agrárias tradicionais e culturais da região, mas também das áreas protegidas constitucionalmente relacionadas ao meio ambiente e às comunidades tradicionais e indígenas…

O principal polinizador da castanheira é a mangavá (ou mamangava), uma abelha muito grande, que lembra um besouro. Essa abelha é a única que tem força para entrar dentro da flor da castanheira e polinizá-la. Portanto, é fundamental para a manutenção do ciclo biológico.

As castanhas são uma iguaria apreciada no mundo, mas já têm seu espaço internamente ameaçado pelas monoculturas (soja, cana-de-açúcar e pecuária extensiva), grileiros, queimadas e outras ações humanas nocivas às atividades tradicionais brasileiras. Que será da castanheiras diante desses problemas, num mercado de livre competição?

Inúmeras atividades estão na mesma situação dentro da Amazônia Legal, ou seja, na informalidade e sem acesso a políticas públicas, como as de crédito para o desenvolvimento do setor, as de introdução de novas técnicas de criação de animais e de cultivo agrícola, as de programas de regularização fiscal e ambiental.

Temos ainda um período até que a competição externa aumente, embora a interna já seja uma realidade entre estes agentes econômicos.

É necessária a preparação de nossos pequenos produtores como melhor defesa na livre concorrência, porque são a alma, a história e a cultura do setor rural brasileiro, o que é o traço diferencial dos frutos e que pode ser elemento de vantagem diante dos concorrentes.

Contudo, a geração destes bens está na informalidade e carente de recursos para se tornar autossuficiente.

A primeira medida  seria justamente a regularização fundiária, ou de produzir. Isso  teria a finalidade de trazer todos da irregularidade à formalidade. Com isso, os ajudaria a tomar crédito mais barato e a ter acesso a programas governamentais educacionais de regularização fiscal e ambiental.

Mas talvez o mais importante seja obrigar os seus competidores a aceitar as normas, pelo bem da maior floresta do mundo. Há certas atividades, à margem do Estado, que não são tributadas por não estar cadastradas, nem responsabilizadas por infrações ambientais e humanas. Na verdade, são beneficiadas por essa informalidade, e geram resultados nem sempre lícitos ou desejados pela sociedade brasileira. É mais fácil e barato cortar a castanheira e vendê-la no mercado irregular, sem declarar renda e com o uso de trabalho escravo. Além de tudo, os infratores concorrem de modo desleal com os que aderem à formalidade, e prejudicam a imagem nacional no mercado internacional.

Neste contexto, deve-se ter em consideração que há certas áreas protegidas, seja devido às minorias indígenas e às comunidades tradicionais que lá subsistem, seja por questões ambientais e militares. Identificar e demarcar essas áreas facilitará a jornada, sendo possivelmente o primeiro passo saneador à atividade agrícola, inclusive como publicidade ao mercado consumidor externo.

Sem entrar no mérito da questão, separadas de fato estas áreas protegidas, o passo seguinte seria a propriedade privada ou potencialmente privada, oferecida aos produtores artesanais que possam ser viáveis economicamente. A regularização é mais do que a distribuição de terras, envolve diversos aspectos na Política Agrária, todos carentes de observação e medidas construtivas.

Portanto, a regularização fundiária é o fundamento para proteger e fomentar os direitos ligados à terra, não apenas das atividades agrárias tradicionais e culturais da região, mas também das áreas protegidas constitucionalmente relacionadas ao meio ambiente e às comunidades tradicionais e indígenas.

                 É a diferença entre um jogo em que todos perdem – o país, o meio-ambiente, a reputação do agronegócio, os produtores, e outro em que todos ganham.

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*Fernando Keutenedjian Mady – Fernando Mady, (35), é tabelião de notas, mestre em direito administrativo pela PUC-SP e pós graduado em direito público pela EPD e em direito civil, processual civil e consumerista.

 

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