pepino

Pepino torto. Por José Horta Manzano

PEPINO TORTO

JOSÉ HORTA MANZANO

Pepino

  É de menino que se torce o pepino. Antigo, mas de validade permanente, o adágio informa que os bons hábitos vêm da infância. Quem aprendeu de criança, sorte dele, quem não aprendeu, babau. Não dá pra lapidar uma pedra depois de engastada no anel.

Nossas altas esferas são compostas de uma coleção de pepinos tortos. Fica a impressão de que nenhum deles teve berço. Ou pior: se tiveram, o próprio berço já veio torto. É permitido supor que tenham nascido e crescido no meio de gente primitiva e de nariz empinado, desses que têm o rei na barriga e imaginam pairar acima dos demais. Tivemos, às vésperas do Natal, três exemplos edificantes, um atrás do outro, feito rajada de arma automática. Todos eles são manifestações de um mesmo mal.

Primeiro, foi doutor Bolsonaro. (Como não podia deixar de ser, diria o outro.) No auge da pior catástrofe sanitária que o Brasil já conheceu, com quase 200 mil mortos espetados na conta, o homem decidiu tirar férias. Foi descansar num forte, utilizado como resort pelas Forças Armadas. Francamente, pra quem não trabalhou senão para sabotar o esforço nacional de combate à pandemia, falar em «descansar» é indecente. Bolsonaro não é inteligente, isso já se sabe. Se fosse, teria descansado uma semana na Granja do Torto, residência oficial da Presidência, lugar tranquilo e protegido. Ninguém teria ficado nem sabendo. Mas o pepino torto o faz imaginar pertencer a uma classe de eleitos dos deuses. (Faltou combinar com os deuses, mas essa já é uma outra história.)

Em seguida, foi a vez de João Doria, governador de São Paulo – aquele a quem o presidente da República atribui, com desdém, a paternidade da Coronavac. O governador não poderia ter tido pior ideia. Em meio à pandemia que castiga a população, bem na hora da chegada das primeiras ampolas de vacina, que fez ele? Mandou-se pra Miami para alguns dias de férias. Tirando o mau gosto de escolher a Florida, destino obrigatório de todo novo-rico brasileiro, não era hora de tirar férias. Se tivesse escolhido passar uns dias a olhar a paisagem no litoral do estado que governa, ninguém teria reclamado. Mas Miami? Francamente. Aqui também, o problema é o pepino torto que o faz crer que pertence a uma classe à qual tudo é permitido.

Pra coroar, o STF e o STJ não deixaram passar a ocasião de tentar uma carteirada. Ambas as cortes pediram à FioCruz a reserva prioritária de milhares de vacinas para Suas Excelências, colaboradores & respectivas famílias. Assim, deixariam o populacho para trás e passariam à frente de todos nós. Receberam uma negativa, aliás muito merecida. Doutor Fux ainda reclamou alegando que, se tinha feito esse pedido, era pra preservar o bom andamento da instituição que preside. Passou por cima do fato de estarem teletrabalhando. Deixou transparecer sua convicção de que o STF é a única instituição nacional que merece ser imunizada. Tanto o pedido quanto a explicação são obras-primas de contorcionismo verbal, que combinam com o status de legítimo pepino torto.

De Bolsonaro, pode-se esperar tudo, dado que não é inteligente nem perspicaz. Mas de gente como João Doria, essa atitude é mais intrigante. Imbecil, o moço não é. Ignorante, tampouco. Como é que foi tomar decisão assim tão fora de esquadro, tão impopular, tão demolidora da própria imagem de sobriedade? A resposta está no ditado do pepino. Tão convencidos estão – ele e os outros aqui mencionados – de estar acima do populacho, que não se dão conta de que é esse mesmo povão que os pôs onde estão e que lhes paga o salário.

A solução? É elevar o nível de alfabetização, de estudo e de formação do populacho. Povo instruído adquire nível de politização elevado. Povo politizado rejeita homem público prepotente. Talvez seja por isso que, entre nossos dirigentes, tão poucos dão prioridade ao aprimoramento da Instrução Pública. Será pra garantir a sobrevivência da casta dos pepinos tortos.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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