brasil

Finalmente o Brasil está mudando. Por Edmilson Siqueira

FINALMENTE O BRASIL ESTÁ MUDANDO

EDMILSON SIQUEIRA

No Brasil, já se disse por aí, até o passado é difícil de prever. Somos, em todos os aspectos, um país surpreendente, que inova a cada instante, que busca soluções completamente implausíveis para as mais diversas situações…

 

Brasil - mudança

No Brasil, já se disse por aí, até o passado é difícil de prever. Somos, em todos os aspectos, um país surpreendente, que inova a cada instante, que busca soluções completamente implausíveis para as mais diversas situações. Só para dar um exemplo: se a pandemia, que maltrata todo o país, impede que um campeonato de futebol prossiga num determinado estado, não tem problema: busca-se um novo estado ou uma cidade onde a pandemia causa também os mesmos estragos, matando gente adoidado e lotando hospitais, mas o governador ou o prefeito acha que não está tão ruim assim e permite que o futebol prossiga alegre e fagueiro, espalhando alegria, gols e vírus. Responsabilização pela falta de responsabilidade? Nem pensar! Precisamos preservar o estado democrático de direito, certo?

Mas a mudança a que me refiro no título não é que acontece na imaginativa solução que o futebol proibido em São Paulo encontrou para tentar burlar a proibição. É algo muito mais profundo.

Há muito tempo  Brasil reclama mudanças. Temos muitas leis – um cipoal formidável que serve a tudo e a todos – tanto na legislação civil, como na penal e na trabalhista. As várias reformas, há tanto tempo necessárias, não conseguem sair do papel, pois sempre, por mais elásticas e ineficientes que sejam, acabam ferindo interesses de grupos dos quais os próprios parlamentares incumbidos de fazê-las são membros efetivos e remidos. Ou grupos diferentes como religiosos, servidores públicos, policiais civis, militares, rodoviários, professores universitários, aposentados do serviço público com altos salários ou mesmo os porteiros de boates e de casas noturnas de encontros fortuitos, um grupo que, dizem, tem enorme influência no Parlamento brasileiro.

Como todas as reformas se arrastam e sabe-se lá se um dia virarão realidade e, se virarem, não se sabe como serão, os senhores incumbidos de fazer valer as leis e zelar pela Constituição, decidiram que as interpretarão a seu bel prazer, realizando as mudanças que lhe derem na telha, para servir aos mais altos interesses pessoais ou de grupos com os quais têm afinidade ideológicas, de amizade ou outras… afinal ninguém é de ferro. E todas as decisões terão como objetivo a manutenção do estado democrático de direito, esse milagroso elixir intelectual que serve a qualquer dos buracos legais e ilegais pelos quais nossas autoridades adentram. Ajudou um notório ladrão a sair da prisão? “FI-LO EM NOME DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO!” dirá, em letras maiúsculas, o autor da decisão que proporcionou a fuga. E ninguém do poder constituído irá contestá-lo, não por respeito à autoridade, mas porque também poderá precisar da mesma medida em futuro próximo.

Assim, as mudanças começaram nas mais altas cortes de Justiça do Brasil, quando um órgão de fiscalização, ao cumprir seu dever de comunicar a promotores públicos movimentações atípicas de dinheiro de mais de 20 políticos, passou a ser considerado autor de atos ilegais visando a atingir determinadas pessoas. Chegou a ser obrigado a mudar de nome até, a ser subordinado a outros poderes, tudo para que não mais se metesse em negócios escusos de autoridades políticas, para as quais todas as leis são relativas.

De uma alta corte para outra foi só um pulo. Nossa maior casa de cumprimento das leis, a tal da suprema, parece causar um efeito em seus nomeados que um dia ainda deverá ser estudado por renomados psiquiatras e psicólogos. Ao vestir aquela capa vampiresca, suas majestades são tomadas por desejo incontido de inovar, de deixar seus nomes marcados para a posteridade pela audácia de uma nova interpretação de uma lei que mudará para todo o sempre (isto é, até o próximo nomeado resolver mexer nela) as relações jurídicas do Brasil.

Então, imbuídos desses eflúvios quase divinos, nossos supremos ministros decidiram que provas são provas, não interessa mais como foram conseguidas, se foram ou não manipuladas. Basta que tais provas se prestem aos seus indomáveis impulsos e desejos de punir quem ousou processar seus políticos e empresários de estimação que eles as usarão e as distribuirão a quem pedir.  O fato de ser um material que seria considerado ilegal por qualquer aluno do primeiro ano de Direito, não importa. As provas imprestáveis em qualquer tribunal mequetrefe, passam a ser consideradas irrefutáveis materiais de acusação para, em se acusando um juiz,  favorecer um réu cujas condenações foram confirmadas em três ou até em quatro instâncias, sendo essa quarta instância o próprio tribunal onde a confirmação será anulada. Nunca se viu mudança como essa!

Outra grande novidade é o fato de que o local do crime pode servir ou não para determinar a vara em que ele será julgado. Se, depois de alguns anos, as decisões oriundas daquela vara e que já percorreram outras instâncias onde foram confirmadas, não preencherem os objetivos das mais altas cortes, elas podem ser totalmente anuladas e enviadas para outro local, onde começarão do zero com grandes chances de prescrição. Mas a prescrição vai inocentar culpados, vai livrar das penas notórios corruptos! Não importa! O que vale é que estamos preservando o estado democrático de direito! E fim de papo!

Mas há também juízes de primeira e segunda instância que estão mudando a forma de atuação dos tribunais. Pois não é que um empresário, ao seguir a lei na dispensa de seus funcionários, ocorrida por que a empresa estava à beira da falência por causa da pandemia e estava encerrando suas atividades, se viu condenado a pagar indenização milionária por não cumprir um ritual que não estava mais previsto na lei? Ou seja, a obrigação tinha sido extirpada da lei, mas para alguns juízes, não. A decisão de um juiz do Trabalho (essa excrescência que só existe no Brasil) foi confirmada pela segunda instância e agora o empresário está na iminência de pagar indenização de 17 milhões de reais por ter feito o que a reforma trabalhista determinou fazer ou deixar de fazer. Não é notável como a iniciativa particular de dois paladinos da modernidade consegue dar nova visão ao que foi estabelecido? A lei não existe mais, mas tem de ser cumprida! Claro que é pra preservar o estado democrático de direito, dirão vossas excelências. Isso sim é que é mudança!

Pois essas mudanças, inéditas no campo jurídico mundial, estão colocando o Brasil, mais uma vez, na vanguarda da modernidade da humanidade. Já havíamos saído na frente em matéria de volume de dinheiro oriundo de corrupção; já somos campeões mundiais em queimadas de florestas; já temos os primeiros lugares na falta de estudo de nossas crianças; já somos medalhistas olímpicos em assassinatos por ano, já somos líderes como o país que pior enfrentou a pandemia de covid e, agora, avançamos céleres para ser o primeiro no mundo a ter leis elásticas que servem tanto para prender como para soltar, tanto para punir como para absolver, que podem ter sido excluídas, mas ainda valem, bastando o senhor juiz interpretá-las de modo que lhe convenha e que cite, ao fim de suas decisões, que está defendendo o estado democrático de direito.

Antes de encerrar, quero louvar a classe de magistrados que está dando essa lição para o mundo e mostrando para nossos políticos que nada impedirá que eles mudem o Brasil. Estamos prestes a nos tornar o país das leis pessoais, onde cada cidadão, dependendo do seu poder político ou financeiro, poderá resolver que tipo de crime cometerá para aumentar seus poderes e, depois, poderá esperar tranquilamente a decisão que lhe será favorável em nome do estado democrático de direito.

E ainda tem gente que diz que o Brasil não muda…

___________________________________


Edmilson Siqueira é jornalista

________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter