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Reeleição, com desincompatibilização. Por Aylê-Salassié F. Quintão

… Precisa-se dar um fim à reeleição inventada por FHC, que inspirou trampolins contábeis dentro do Tesouro Nacional. É uma festa de gastos com dinheiro público, sem qualquer retorno para o sistema produtivo. Como se prevê, constitui em ameaça a economia nacional em 2022…

REELEIÇÃO

Esse precoce carnaval sucessório dos mais de trinta partidos em atividade legais no País e outro tanto sem registro no Tribunal Eleitoral dá mostras de que, em nome da democracia, todos caminham sobre um vazio de sentido e de compromissos explícitos com a verdade (Pondé) ou um comprometimento com a eficiência das políticas e programas sob a responsabilidade da máquina pública, senão em conveniências pessoais específicas.

Por conta da fragilidade do pacto pela governabilidade, a corrida eleitoral, comandada pela reeleição, deve agravar o cenário econômico em 2022.  O Banco Central projeta para o próximo ano a possibilidade do brasileiro ter de  conviver com uma inflação e taxas de juros de dois dígitos; gasolina e dólar acima de R$ 6,00; 15 milhões ou mais de desempregados; expansão de  0,5 por cento do PIB; e um  rombo nos limites fiscais para os gastos públicos acima de R$ 100 bilhões.

A realidade mostra que boa parte dos indicadores econômicos negativos tem sido produzida, desde já, pela força desproporcional dos embates eleitorais, cujo pleito acontecerá daqui a um ano. O País tornou-se um caldeirão de retóricas, promessas vazias, confusas, de interesses pessoais, até vingativos. Tudo improdutivo.  O sistema econômico e as políticas públicas são quase ignorados. Cada empreendedor se vira como pode à luz da imobilidade das reformas em tramitação no Congresso. Algo bárbaro e selvagem acontece. O professor e ex-deputado constituinte Elias Murad conclui que “O Brasil progride à noite, enquanto os políticos estão dormindo”.

Esse ambiente discursivo irresponsável, ao invés de trazer soluções, sem qualquer autocrítica, carismatiza absurdos e ocupa o tempo e apoios a pessoas presas moralmente às imputações corruptivas, como se inocentes fossem. Afloram por todos os lados   interesses e oportunismos.  Convive-se, inconscientemente, com sábios e sabidos emergidos de espaços de transgressões.

O atual Presidente, apesar de defendido pelos correligionários como incorruptível, virtude incomum no campo da política, com sua indiferença administrativa e seu amorfismo escatológico, tem culpa direta na configuração desse cenário indigesto e sem qualquer futuro para a sociedade. Ao assumir o cargo, em 2019, iludido pelas formulações abstratas de seu ministro da Fazenda, economista Paulo Guedes, declarou provocativamente que a política macroeconômica que ele formulava iria lhe garantir “uma reeleição tranquila”.

Assim, Bolsonaro vem atravessando esses anos de governo, manipulando interpretações falseadas e programas públicos em direção à inoportuna visão da reeleição, mesmo sob o fogo cruzado de uma oposição moralmente pouco qualificada. São candidatos prematuros e, todos, desde São Paulo e até ao interior do Nordeste, são vaiados por uma opinião pública invisível.

No presente contexto, a governabilidade voltada para a reeleição dos atuais dirigentes ou para o retorno de velhos caciques, atingiu um dos níveis mais baixos. A desilusão com a política, a alta do desemprego e da inflação atemorizam o cidadão comum, assustado já com a rapidez e com a sucessão de eventos transgressores aflorados no seio do Estado. A população vai assim se alienando em um estado letárgico, patologicamente angustiado, com total indiferença. Mas, não dá. A deterioração dos indicadores vai bater, mais cedo ou mais tarde, às portas dos cidadãos, na sua mesa.

O País está mergulhado em um realismo fantástico. FHC, uma das vozes contemporâneas aparentemente mais lúcidas no campo da política, depois de cumprir dois mandatos de quatros anos, ponderou.

…foi um erro a reeleição: se quatro anos são insuficientes, seis parecem muito tempo. Ao invés de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto tipo “plebiscitário” (de reconhecimento da eficiência ou não do governo) seria preferível uma mandato de cinco anos”.

Sarney fez isso: esticou-o por cinco anos, e se deu mal. JK eternizou-se em cinco anos.

Paradoxalmente, foi FHC quem criou a reeleição que iria proporcionar desajustes econômicos logo depois ao se cultivar, ao longo de 16 anos ininterruptos, a ideia de que o Estado podia tudo. Fantasiosamente, defendia-se “uma contabilidade criativa”. Bolsonaro deve acreditar nisso. Mas Guedes e seus assessores demissionários não parecem ter a mesma convicção para sustentar uma reeleição.

Daí que, com o ambiente político gerado artificialmente, o ano eleitoral de 2022, no entender dos economistas de plantão, será propício para a total desestabilização da economia. Poderá haver desarranjos incontornáveis decorrentes da manipulação inadequada dos recursos públicos, com consequências graves para o governo que vier a ser eleito e para a população.

Pelos custos que representam para a Nação, devia haver um mandato curto (seis meses) de transição para os vices daqueles titulares que, nos respectivos cargos, candidatam-se à reeleição. É preciso proteger a máquina pública dos financiamento das campanhas de quem está em exercício em cargos como o de presidente da República, governador ou de prefeito. É, sim, uma desincompatibilização. Os vices substitutos cumpririam o papel de evitar a paralisação de programas governamentais – se existirem – e de resguardar os recursos públicos da sanha da reeleição. Caberia a ele encerrar aquele mandato, sem se envolver nas eleições.

Precisa-se dar um fim à reeleição inventada por FHC, que inspirou trampolins contábeis dentro do Tesouro Nacional. É uma festa de gastos com dinheiro público, sem qualquer retorno para o sistema produtivo. Como se prevê, constitui em ameaça a economia nacional em 2022.

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

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