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Saudades. Por José Paulo Cavalcanti Filho

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O tempo histórico corre aos saltos, sem escolher datas. A década de 50, destinada à revanche liberal, por conta do sacrifício de Vargas começou apenas em 1964; a de 60 inaugurou a fase negra da Ditadura com o A1-5, em dezembro de 1968; a de 70, com a distensão, em abril de 1977; a de 80, destinada à transição democrática, com a posse que seria de Tancredo e acabou de Sarney, em março de 1985. E já que de datas falamos vale dizer que a Revolução, dita redentora e democrática, se deu em um primeiro de abril como hoje, 50 anos atrás. Mas acabou passando aos livros como se tivesse ocorrido em 31 de março, para evitar comparações com essa data incômoda.

Em fins de 1968, fui a um Congresso da UNE em Salvador. Hospedagem, ali, na casa do queridíssimo Eduardo Collier Filho ‒ com quem, ainda no Recife, dividi boa parte da infância. Ele, já na clandestinidade. Conversamos horas; e, até onde pude sentir, estava consciente dos riscos que corria. Passaram-se 10 anos até que um dia, revendo velhos papéis, descobri, em meio a documentos desse congresso, um grosso conjunto de papéis com versos redigidos por ele, de próprio punho (que logo transferi à família). Só não sei é se, ante o risco de perder todos os textos, preferiu ele mesmo esconder em meu saco de viagem. Para preservá-los. Ou se os papéis acabaram misturados, sem que nos déssemos conta, com outros papéis (e nunca ninguém saberá, exatamente, o que aconteceu). Tendo cada um de nós o direito de comemorar a data de hoje à sua maneira, escolho a lembrança de um pedaço desses versos, ainda inéditos:

Do soldado após guerra nada mais resta

Só o fogo da terra e ninguém parte

Do soldado em destroço sobe leve aceno

O que tudo posso sem tomar veneno

(O soldado) ante a espada se prepara

Para ver se algo falta

Posto que se assim é

Falta também a sua Fé

(O soldado) frente à guerra

Nada pressente

Se é abismo o que ele vê

Ou se ilusão o que ele sente

Feito espera se recorda

Do bom tempo da engorda

E não chora só porque

Morto foi em boa hora

  • PS. : Duda, e o jovem estudante pernambucano Fernando Santa Cruz, desapareceram pouco tempo depois em mãos de uma patrulha militar sediada no Quartel de Rezende (Rio). E nunca mais foram vistos. Era manhã de carnaval.

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José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.

jp@jpc.com.br

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