improviso

De improviso em improviso. Por Edmilson Siqueira

… de uma coisa podemos ter absoluta certeza: de improviso em improviso, o Brasil jamais sairá do abismo em que se encontra…

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Então ficamos assim: o deputado extrapolou em suas falas e ameaçou juízes da Suprema Corte brasileira. Esses juízes, extrapolando suas funções, viraram acusadores, relatores e réus ao mesmo tempo, ao arrepio de uma porção de leis, tanto da Constituição quanto dos Códigos Penal e de Processo Penal. O presidente da República, que de leis não entende nada, resolve usar uma atribuição que lhe é garantida pela Constituição, mas acabou usando de modo enviesado, extrapolando os efeitos e assinando um decreto que extingue uma pena que ainda não existe, pois a sentença sequer foi publicada e, depois de publicada, caberá recurso para, só depois de analisado o recurso, poder ser chamada de transitada em julgado.

E, na sequência desse cenário surreal, juristas e políticos tomam posições as mais variadas, uns garantindo que o presidente está certo, outros que está errado; uns garantindo que o STF está correto, outros que está enganado; uns querendo anular o decreto do presidente, outros querendo anular o julgamento do STF.

Quando eu era estudante de Comunicação, ganhei um livrinho de um professor cujo título guardo até hoje na memória, diferentemente do nome do professor que, caso leia essas mal traçadas, por favor me perdoe pelo esquecimento. O nome do livro é “Brasil, Um País Provisório”. Esse título me veio várias vezes à lembrança, porque o improviso no Brasil é coisa do dia a dia da política. Não que nos faltem leis para serem aplicadas em qualquer caso que fuja à regra. Elas existem em excesso até. Já ouvi dizer que há cerca de 150 mil normas e leis no Brasil que deveriam garantir uma vida em sociedade normal, segura e boa. Mas qual o quê, como diria a esposa submissa da bela música do Chico que, mais de meio século depois de gravada, incomodou feministas por aí.  Sim: qual o quê!

O excesso de leis provoca uma fieira de interpretações tão grandes e diversas, baseadas em tal parágrafo, tal inciso, tal artigo de tal código ou de tal súmula que sobram benesses pra todo tipo de marginal. E quando não há mais jeito de se apelar para o amontoado de leis vigentes, alguns juízes que se julgam supremos, lançam mãos de provas roubadas e provavelmente modificadas, para conseguir seus intentos e agradar seus patrões secretos.

Curiosamente, o rigor com que Gilmar e Lewandowski defendem a “imprestabilidade” das provas todas conseguidas pela Lava Jato não é seguido para validar as conversas roubadas por hackers entre os procuradores e juiz, de resto, conversas normais que não se sabe se foram manipuladas, o que torna ainda mais notória a disposição desses dois juizecos em salvar todos os corruptos passados e pretéritos do Brasil.

No fim, tudo fica com o estranho sabor de improviso, para atender interesses de ocasião e que, num próximo julgamento de fato idêntico, o resultado poderá ser outro, desde que a ocasião modifique o interesse. E assim o país vai vivendo, mal e porcamente, diga-se, de improviso em improviso.

Quando escrevo essa coluna, o clima é de suspense ainda, aliás, propício a novos improvisos. Hoje, sexta-feira, 22 de abril, exatos 522 anos depois que Cabral por aqui aportou, a discussão sobre a validade do decreto de Bolsonaro inocentando Daniel Silveira ainda é a mesma de ontem e, talvez, seja a mesma de amanhã. E talvez daqui a novos 5 séculos, não se tenha decidido ainda.

Outro fato curioso nesse surreal cenário é o fato de que Daniel Silveira nada representa em termos políticos a não ser uma certa idolatria de meia dúzia de gatos pingados e bombados que veem nele a expressão do que representam: a violência como norma e o diálogo como exceção.

Vai daí que o fato de Bolsonaro usar rara medida para tentar livrá-lo da pena imposta pelo STF, seja ela justa ou injusta, seja a medida correta ou não, é apenas uma forma de conturbar a situação, arranjar mais uma encrenca para o país discutir, enquanto o Centrão continua dilapidando o erário (e, claro, algum deve sobrar para Bolsonaro & Family) e o debate sobre o que interessa realmente ao país continue relegado ao segundo, terceiro, quarto ou quinto planos.

Mas de uma coisa podemos ter absoluta certeza: de improviso em improviso, o Brasil jamais sairá do abismo em que se encontra.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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