TEMPO

O tempo não para, nem perdoa. Por Wladimir Weltman

MILTON
MILTON E MARÍLIA

Dia 30 de maio morreu aos 88 anos de idade o ator Milton Gonçalves. Tive o privilégio de conviver com Milton no set do programa ZORRA TOTAL onde fui um dos roteiristas por 5 anos. Ele fazia parte do elenco e sempre o encontrava nos bastidores das gravações, quando eu tinha que estar presente à disposição da direção para qualquer modificação no texto. Milton sempre me recebia com um sorriso no rosto e o olhar doce de quem observa o filho de um amigo querido. Ele conhecia meu pai. Tinha sido um dos atores da primeira novela da TV Globo, que foi escrita pelo senhor Moysés – A ROSINHA DO SOBRADO – junto com Marilia Pera e Gracindo Junior. Milton foi um dos primeiros atores contratados para o elenco da TV Globo, onde ficou até o fim da vida.

O que eu não sabia, ou não tinha certeza, era que Milton fazia parte do círculo de amigos de papai do tempo do Partidão, quando meu velho, junto com Dias Gomes, Mario Lago, Nelson Pereira e outros, faziam parte da célula de artistas do PCB. Quem me contou isso foi meu tio, Henrique Veltman, irmão de papai e também ele membro dessa confraria tão especial.

Ao receber a notícia de sua passagem, e ler um e-mail de meu tio a respeito nesse mesmo dia, parei pra pensar com tristeza e uma certa ponta de arrependimento.

Milton não foi o primeiro dos meus colegas de TV que partiu. Só do ZORRA a lista é grande. Além do Mauricio Sherman, nosso capitão, perdemos nomes como Agildo Ribeiro, Chico Anísio, Paulo Silvino, Theresa Amayo, Orlando Drummond, Felipe Wagner, Bernardo Jablonski, João Carlos Barroso, Lucio Mauro, Caike Luna, Gugu Olimecha e o cartunista Nani. Um timaço. Só feras, com anos de estrada e vidas riquíssimas de histórias e aventuras.

Na redação do ZORRA tive oportunidade de ouvir os relatos hilariantes da vida de Gugu, e suas memorias do circo e do teatro; do Nani sobre sua cidade mineira, Esmeraldas, e do seu tempo no jornal O PASQUIM; além dos papos com Jablonski e Caike. O Sherman foi um caso à parte. O conheci ainda criança, pois frequentava a casa dos meus pais. Na escola fui colega de seu filho Alexandre, apesar dele ser mais novo do que eu. E, anos mais tarde, quando resolvi ser roteirista, foi ele quem abriu as portas da Globo para mim. Quando vim morar nos EUA nos ano 90, Sherman veio a Los Angeles mais de uma vez e utilizou meus serviços como produtor para pesquisar métodos e materiais para a realização do projeto da TV COLOSSO. Na volta ao Brasil em 2005, fiz uma longa entrevista biográfica com ele para a Revista CONTIGO. E, em 2009, de volta a Globo, entrei na equipe de roteiristas do ZORRA TOTAL, sob seu comando. Ao longo desse tempo coletei muitas histórias de sua longa e produtiva carreira. Ainda assim sei que muita coisa bacana ficou de fora.

Pois quando recebi a notícia da passagem de Milton, realmente me bateu um arrependimento. Lamentei comigo mesmo não ter aproveitado as horas livres de espera, entre uma cena e outra no estúdio; na hora do cafezinho, ou das refeições na praça de alimentação do Projac, para conversar mais, perguntar mais a todos esses colegas maravilhosos com quem tive oportunidade de trabalhar e conviver. Verdadeiras joias raras do mundo artístico nacional. Quantas historias incríveis deixei de ouvir. Que biografias geniais todos nós deixamos de ler, quando alguém como eles saem de cena sem deixar registro.

Não é à toa que o Talmud ensina que cada vida humana extinta equivale a um universo destruído. Que desperdício, que pena, que tristeza.

Certamente o arrependimento maior de todos foi não ter interrogado insistentemente a meu próprio pai, seu Moysés. Ele partiu e com ele foram grandes lições de vida que deixei de coletar. Na verdade preferiria que ele mesmo tivesse se sentado à máquina e escrito suas memórias para deixar pra mim, no seu texto sempre tão maravilhoso. Mais do que o jornalista, novelista, homem de televisão, seu Moysés era um grande escritor. Infelizmente não me deixou sua maior obra – sua vida – para ler e ofertar à posterioridade.

PAPAI E EU

Por causa disso, há 12 anos resolvi que não cometeria o mesmo erro com meu filho. Comecei então a escrever para ele minhas memórias. E comecei por contar-lhe quem foram seus bisavós e avós, para só então relatar o que vivi.

Graças a pandemia terminei o relato dos meus primeiros 35 anos de vida. Foram 729 páginas, um exagero, mas fiz questão de ser minucioso. Prometi a mim mesmo, assim que der, escrever o que aconteceu nos últimos 32 anos. Espero ter tempo. Quem sabe uma nova pandemia, já que pelo andar irresponsável do mundo e seus governantes, nada parece ser impossível.

Seja como for, fica aqui a dica: se você tem gente maravilhosa em sua vida, e eles já cruzaram o cabo da boa esperança, sente-se com eles algumas vezes e exija que lhe conte sobre os momentos mais marcantes que viveram.

Você vai se surpreender com as histórias que ouvirá. Garanto que serão muito melhor e mais inverossímil do que os novos seriados nacionais ou estrangeiros das streamings ou tevês a cabo.

E corra, corra porque o tempo não para. Ele não para pra ninguém…

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WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo

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(DIRETO DE LOS ANGELES)

 

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