Lavando a alma - Nachshon

Nachshon 1977 - os 3

Kibutz Nachshon: lavando a alma. Por Wladimir Weltman

… quando fui para lá morar no Kibutz Nachshon, buscava meu sonho juvenil socialista na terra dos meus ancestrais. Era o excitante projeto de voltar a terra prometida depois da diáspora de 2000 anos…

Em 1977, com 22 anos de idade, fui morar em Israel, num kibutz.

Para quem não sabe, o kibutz foi uma experiência única e de sucesso por muitos anos; pequenas fazendas coletivas-socialistas que garantiram as fronteiras de Israel e a comida no prato do povo. Os kibutzim (plural de kibutz) operavam sob o princípio de que as receitas geradas pelo trabalho coletivo iam para um fundo comum. Essa renda era usada para administrar o kibutz, fazer investimentos no local e para a subsistência de cada membro. Cada um recebia o mesmo, independentemente de cargo ou tarefas. O kibutz era uma democracia participativa, onde cada indivíduo tinha seu voto nas decisões da comunidade. E isso foi assim, com bons resultados, até recentemente. Os kibutzim em Israel começaram a mudar nos anos 80 e 90. Muitos passaram de fazendas à fábricas. O que antes era coletivizado agora é privatizado. Do socialismo passaram ao capitalismo. O que de certa forma muito tem a ver com a própria história de Israel…

Mas quando fui para lá morar no Kibutz Nachshon, buscava meu sonho juvenil socialista na terra dos meus ancestrais. Era o excitante projeto de voltar a terra prometida depois da diáspora de 2000 anos. Minha ingênua perspectiva de Israel, colorida por livros como “Exodus” (Leon Uris), “Meus Gloriosos Irmãos” (Howard Fast), “A Fonte de Israel” (James A. Michener) e filmes como “A Sombra de Um Gigante”, “Resgate em Entebe” e “Os Dez Mandamentos”, bateu de frente com um país em plena transformação, após a Guerra dos Seis Dias. Como diz o grande Rabino Woody Allen: “Se você quer fazer Deus rir, conte a ele sobre seus planos”.

Para mim e para meus amigos, que como eu imigraram pra Israel e o kibutz (éramos 25 brasileiros), essa experiência foi transformadora, um pouco traumática e, em muitos momentos, dolorosa. A morte de um sonho sempre dói. Ainda mais para o meu grupo formado por jovens brasileiros de classe média, a maioria com tendencias intelectuais e artísticas – fotógrafos, jornalistas, músicos, atores, bailarinos, designers, psicólogos, acadêmicos etc. Nós caímos de paraquedas numa fazenda, tendo que do dia para a noite aprender a criar galinhas, arar a terra, pastorear ovelhas, limpar esterco e demais atividades agrícolas, nem sempre as mais agradáveis. E o pior, onde nossos projetos profissionais pessoais,  próximos as nossas próprias aptidões, eram considerados “hobbies burgueses”. Com poucas exceções, a maioria deixou o kibutz e, posteriormente, Israel.

Passados 45 anos, esta semana, um de meus companheiros do kibutz, meu irmão Sergio Zalis, me enviou um artigo publicado no jornal israelense HAARETZ, que literalmente me lavou a alma e restituiu em parte meu carinho por Israel e pelo kibutz, abalados pelas políticas recentes do Estado Judeu, que tanto me entristecem.

O artigo tratava de um documento de 55 anos atrás recém-descoberto de uma reunião importante do Kibutz Nachshon, (o meu kibutz) – estabelecido em 1950 no Vale de Ayalon por membros do movimento juvenil sionista de esquerda Hashomer Hatzair. Nessa reunião eles discutiam qual seria a atitude deles quanto as terras árabes, que ficaram nas mãos de Israel, depois da Guerra dos Seis Dias. A tal reunião aconteceu em julho de 1967, um mês após a guerra. As decisões da tal reunião foram impressas no boletim informativo do kibutz, mas alarmados com a possível reação externa ao seu conteúdo, lacraram o documento. Finalmente o relatório censurado foi revelado nesse artigo do HAARETZ.

A discussão em questão tratava do destino de três aldeias árabes onde os habitantes foram expulsos e as casas demolidas durante a Guerra dos Seis Dias – Imwas, Bait Nuba e Yalo, todas elas na área de Latrun. Os habitantes foram expulsos para a área de Ramallah e, ​​em seguida, tratores arrasaram as casas.

Lavando a alma - NachshonO boletim de Nachshon dizia o seguinte: “Temos sofrido recentemente com sentimentos contraditórios. Visitamos o Mosteiro Trapista (Latrun), fizemos contato com os monges, vimos seu salão, a adega e a igreja, e quase nos esquecemos de Imwas, de pé em suas ruínas além dos muros do mosteiro, e dos habitantes exilados e privados de suas propriedades. Mal terminou a alegria pela vitória e já estamos preocupados com o resultado da luta política. Também há preocupações relacionadas ao trabalho nas terras dos aldeões e às suas colheitas.”

O editorial que acompanhava o boletim do kibutz era intitulado: “Não tomaremos essas terras”. Isso expressava a decisão dos membros do kibutz de não participar do saque da propriedade abandonada ou da coleta de espólios das aldeias arrasadas. A ata da reunião determinava que o pessoal do kibutz se dispunha a fazer o seguinte: “Tentar localizar os proprietários e devolver a propriedade a eles. Foi decidido que não vamos cultivar as terras e vamos lutar para impedir que outros as tomem e as cultivem.”

Em última análise, apenas um membro na votação do kibutz apoiou a tomada das terras e a colheita de grãos dos aldeões árabes. Todos os demais votaram contra. Os membros do kibutz também votaram quanto a “conduzir uma séria luta pública pela questão da destruição das aldeias”.

Lavando a alma - NachshonPerguntei a meu amigo Bentzion Laor, que também fazia parte do nosso grupo de brasileiros em Israel e que ainda hoje vive lá, quem foi responsável pela destruição das três aldeias árabes. Ele me contou que a ordem partiu de Moshé Dayan, comandante das forças israelenses na Guerra dos Seis Dias. O motivo seria o trauma que ele e boa parte dos israelenses tinham da Batalha de Latrun, durante a Guerra de Independência de Israel, em 1948, uma das poucas derrotas que sofreram naquele conflito.

A Batalha de Latrun foi uma série de confrontos militares entre as forças israelenses e a Legião Árabe da Jordânia nos arredores de Latrun entre maio e julho de 1948. Latrun é o mosteiro na junção das estradas Jerusalém-Tel Aviv e Gaza-Ramallah (Nachshon fica exatamente em frente ao mosteiro e a estrada). Apesar de atacar o forte de Tegart em Latrun cinco vezes, Israel não conseguiu tomar a posição, que ficou sob controle jordaniano até a Guerra dos Seis Dias. A Batalha de Latrun deixou sua marca no imaginário coletivo israelense. Os combates custaram a vida de 168 soldados israelenses, sendo que a maioria eram sobreviventes do Holocausto.

Hoje no local existe um museu militar israelense e um memorial aos combatentes de 1948. O Moshav (fazenda cooperativada israelense) Mevo Horon foi estabelecido nas terras da aldeia de Bait Nuba e um parque florestal, o “Canada Park”, agora fica nas terras das aldeias Imwas e Yalo. Nachshon jamais se apoderou dessas terras e até hoje muita gente do kibutz não frequenta o “Canada Park”.

Graças a essa reportagem fiz as pazes com meu antigo kibutz. Não consegui me adaptar a vida de fazendeiro socialista e minhas críticas a Nachshon hoje as deixo em segundo plano, principalmente porque a luz desses fatos reportados, vejo que eles pensavam exatamente como eu e meus companheiros brasileiros do kibutz. Todos nós fomos do Hashomer Hatzair, organização juvenil judaica de esquerda, de onde surgiram figuras como Mordechai Anielewicz, o líder da revolta do gueto de Varsóvia; Leopold Trepper, cabeça da espionagem soviética na Segunda Guerra Mundial na Europa, conhecida como a “Orquestra Vermelha” e o candidato a presidência americana, Bernie Sanders.

Lavando a alma - NachshonA reportagem serve também para mostrar aos detratores de Israel, que vivem acusando o país de ser intolerante ante as reivindicações palestinas e ao destino trágico dos refugiados, que existe muita gente justa e correta em Israel, que desde sempre se preocupou e ainda se preocupa com seus vizinhos árabes.

Se houver boa vontade de ambas as partes, um dia, quem sabe, a paz será viável.

 

 

__________________________________________________________________

WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo

__________________________________________________________________________

(DIRETO DE LOS ANGELES)

9 thoughts on “Kibutz Nachshon: lavando a alma. Por Wladimir Weltman

  1. Análise correta, corajosa, o que não é comum quando esse assunto é abordado. Sua proposta no final do texto é a única forma de se chegar a um acordo, ou seja, as “verdades” de cada lado serem colocadas de forma transparente, e resolvidas. Conheço os dois lados e, como foi muito bem colocado, a maioria pensa assim.

  2. Parabems Vavá pela linda reportagem! Somente para acrescentar um dado histórico ! Sempre ouve uma grande polêmica sobre quem deu a ordem de expulsar e destruir as aldeias de Imwas, Yalo e Bayt Nuba , Mas hoje sabemos que foi Ytzrak Rabin que era chefe de gabinete das Forças de Defesa de Israel em 1967. Essa declaração oficial somente veio quando foi criado em 1973, ” O Parque Canada” financiado pelo Fundo Nacional Judaico (JNF) do Canadá, um Bosque que incluiu a plantação de uma floresta nos escombros de Imwas, Yalo e Bayt Nuba ! A comunidade judaica do Canada se sentiu enganada por não terem anunciado a verdadeira realidade do local, onde foi feito a doação ao Bosque! A pressão foi muito grande na verdade um escandalo e Ytzrak Rabin por ser pragmatico em certas situações ao ser entrevistado em Ingles declarou que foi ele deu ordem da destruição dessas aldeias ! A justificativa dele foi que havia a intenção depois da guerra de 1967 de devolver os teritorios ocupados, porem com certa exceção entre elas as aldeias de Imwas, Tulkaren e parte oriental de Jerusalem, com a justificativa de segurança .

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter