Amnésia seletiva

por Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho

Como presidente de um Poder constitucionalmente independente, não poderia ficar inerte ante o adiamento da data de pagamento dos servidores da Justiça

Artigo publicado originalmente em O GLOBO, edição de 29 de dezembro de 2015

 Seria cômica se não fosse trágica a amnésia seletiva que acometeu o governador Luiz Fernando Pezão, afirmando que, junto com as liminares, a Justiça poderia mandar um carro-forte com os recursos financeiros para que ele pague os salários do Poder Judiciário e do Ministério Público (MP) estadual. Só do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), ele já recebeu dois deles, perfazendo um valor de R$ 7,3 bilhões. O primeiro, com R$ 400 milhões (do Fundo Especial do TJRJ destinado ao custeio), em dezembro de 2014. O segundo, com R$ 6,9 bilhões, em maio deste ano, da conta de depósitos judiciais para o pagamento de aposentados e pensionistas do estado todo (e não apenas do Poder Judiciário). Do primeiro montante, já venceram R$ 200 milhões, sem que o compromisso fosse honrado.

Ao contrário do insinuado, inexiste a pretendida vinculação da dramática crise da saúde aos pleitos ajuizados pelo TJ e pelo MP, que não podem ficar reféns do governo justamente porque atuam vigorosamente em prol dos direitos da coletividade. A situação caótica da Saúde não vem de hoje, ao revés, agravou-se até o inacreditável colapso.

Como presidente de um Poder constitucionalmente independente, não poderia ficar inerte ante o adiamento da data de pagamento dos servidores da Justiça do dia 30 de dezembro para 12 de janeiro.

Aos cerca de 15 mil servidores da Justiça (entre os quais 859 magistrados) não foi dado sequer um prazo razoável para o planejamento do orçamento doméstico, como mensalidade escolar, aluguel, condomínio e obrigações diversas. Foram avisados às vésperas do Natal, como aliás, de forma inaceitável, ocorreu com todos os servidores públicos do estado.

Portanto, não se trata de privilegiar desembargadores em detrimento de outros servidores estaduais, como equivocadamente afirmou o governador. Na realidade, exigiu-se simplesmente que se efetuassem repasses em cumprimento à Constituição, tornando efetiva a separação dos poderes que se estabelece em prol da respectiva independência e harmonia. Se a independência do Judiciário é confundida com privilégio, o Estado Democrático de Direito desmorona e, ao mover suas ações judiciais, inclusive contra o Poder Público estadual, o cidadão pode deparar-se com uma Justiça de fachada, incapaz de assegurar seus direitos fundamentais.

O TJRJ, consciente das dificuldades enfrentadas pelo estado, ofereceu ainda ao governo medidas, até hoje não implementadas pelo Executivo, para aumentar sua receita: uma delas foi o programa de execução de dívidas por conciliação com os contribuintes e a outra, a execução de créditos tributários através de cartórios extrajudiciais de protesto.
Esse deplorável quadro de crise na saúde jamais passou despercebido pelo TJRJ, como evidenciado pela decisão judicial proferida em ação civil pública que determinou o repasse pelo Executivo de 12% do percentual vinculado ao sistema de saúde do estado.

Por tudo isso, não é razoável que o Judiciário fluminense, apontado pelo Conselho Nacional de Justiça como o de maior produtividade do país, seja responsabilizado por esse cenário de horror.

Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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