Lula

Lula e os infiltrados. Por José Horta Manzano

… Lula parte do princípio de que esse contingente passa o dia de papo pro ar, só aparecendo no trabalho para bater o ponto. O desejo de Lula é dispensar essa massa de inúteis e substituí-la por novo contingente… de inúteis…

“Nós temo que tirá bolsonarista que está lá escondido há tempo!”

Dá até um friozinho na barriga sentir de novo o clima de guerra fria, uma época em que espiões soviéticos se infiltravam em governos da Europa Ocidental com o objetivo de colher informações por conta de Moscou. Frisson.

Mas a frase não foi pronunciada por nenhum chanceler alemão, mas por nosso novo presidente – que responde pelo nome de Lula 3. Foi num evento em Santo Amaro (Bahia). A plateia, cativa e domesticada, vibrou.

Eu lembrei da promessa solene do Lula, sacramentada no discurso de vitória: “Vou governar para todos os brasileiros, não só para os que votaram em mim”. E me perguntei se a declaração de Santo Amaro era compatível com a promessa do 31 de outubro. Tenho a sensação de que não é.

No governo, os cargos “de confiança” são milhares. Contando os assessores nomeados diretamente pelo presidente e os funcionários nomeados pelos próprios assessores, dá cerca de 20 mil pessoas. É um mundaréu de gente.

Lula parte do princípio de que esse contingente passa o dia de papo pro ar, só aparecendo no trabalho para bater o ponto. O desejo de Lula é dispensar essa massa de inúteis e substituí-la por novo contingente… de inúteis.

Eu acreditaria nas boas intenções do presidente se ele dissesse que vai cortar metade desse mundo de desnecessários. Aí, sim, a gente perceberia sua preocupação com o desperdício de dinheiro dos brasileiros. Todos aplaudiriam. Agora, dizer que vai dispensar os bolsonaristas [pra substituí-los por petistas, subentende-se] é asneira sem tamanho.

Esse pessoal pendurado em cabide de emprego não tem necessariamente cor política. São como parlamentares do centrão: aceitam qualquer proposta, desde que levem vantagem. Ter sido nomeado durante a gestão Bolsonaro não faz deles bolsonaristas de bandeira enrolada. Pode ser até que sim, mas pode bem ser que não.

O Lula, que antigamente parecia tão esperto, parece que anda perdendo a malícia. Em vez de dizer a bobagem que disse, devia ter ficado quieto. O que ele disse tem o poder de acentuar a clivagem já existente entre bolsonaristas e o resto dos brasileiros. Com essas ideias de acuar os devotos do capitão num canto, Lula acaba obtendo o efeito contrário: o espírito de corpo deles se reforça e os transforma em adversários ainda mais empedernidos.

Com esse tipo de discurso, Lula 3 prepara armadilhas para si mesmo. Que tal um novo 8 de janeiro?

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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