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Sextas-feiras da Paixão. Blog Mário Marinho

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Entro no meu carro, ligo e rádio e sou informado de que o mundo está normal. O locutor de voz bonita me dá conta de assassinatos, atropelamentos, roubos e outros acontecimentos nefastos.

Seu noticiário termina com os resultados do futebol da quinta-feira.

Estaciono o carro na padaria e peço um café com leite.

Enquanto vou sorvendo essa agradável e reconfortante bebida, a imaginação me leva às Sextas-Feiras da Paixão do meu tempo de criança.

Tinha lá entre 10 e 12 anos.

O que primeiro me chamava a atenção é que o rádio de casa, um poderoso Invictus, estava desligado. Situação incomum já que era praxe da dona Celina, minha mãe, ligar o rádio logo pela manhã para ouvir as notícias.

O nosso Invictus estava desligado.

Mas, se estivesse ligado, não havia notícias: na Sexta-Feira da Paixão, as emissoras de rádio, respeitosamente, só apresentavam músicas clássicas.

Na verdade, havia um silêncio naquele meu mundo.

A Igreja do Senhor Bom Jesus, paróquia à qual pertencia a minha família, não repicava o sino às 6 horas da manhã, no seu primeiro chamamento às orações do dia.

Assim como não repicava o sino ao meio-dia, nem às seis horas da tarde quando ouvíamos a voz forte do Benedito, ou Benê, sacristão do santo Padre Heli de Oliveira Mendes anunciando a Hora do Angelus.

Não havia atividades na Igreja onde as imagens dos santos e de Cristo permaneciam cobertas por um pano roxo, como havia sido na quaresma inteira.

Nada de barulho, só silêncio.

Em casa, conversávamos à meia voz como se estivéssemos participando de um funeral. Na verdade, estávamos.

Mas, depois do café matinal, começava a atividade quase frenética que iria durar o dia inteiro: enfeitar a rua para receber a Procissão da Sexta-Feira Santa.

Logo estava formada a turma que iria buscar bambus para formar os arcos em nossas ruas.

Não sei quem era o dono do caminhão e muito menos me lembro onde buscávamos os bambus. Só me lembro que meu pai era membro ativo das organizações do dia e logo me colocava dentro do caminhão.

O que primeiro me chamava a atenção é que o rádio de casa, um poderoso Invictus, estava desligado. Situação incomum já que era praxe da dona Celina, minha mãe, ligar o rádio logo pela manhã para ouvir as notícias. O nosso Invictus estava desligado. Mas, se estivesse ligado, não havia notícias: na Sexta-Feira da Paixão, as emissoras de rádio, respeitosamente, só apresentavam músicas clássicas.

Em casa, como em todas as casas do bairro, as mulheres cortavam bandeirinhas e bandeirolas que ajudariam no enfeite dos arcos de bambu.

Também elas cuidavam dos vasos de flores que seriam colocados à frente das casas, assim como panos roxos que seriam estendidos nas janelas.

Quando os arcos ficavam prontos, era hora de enfeitar o piso da rua com pétalas de flores.

Aí já chegava a hora do almoço. Nada de carne, claro.

Terminado o almoço eu me apresentava na Igreja do Senhor Bom Jesus, onde eu era coroinha e iria sair à rua vendendo velas.

Eu saía trajando as vestes do coroinha, o que me dava aparência de um representante da Igreja. E facilitava muito as vendas.

Levava um pacote ou dois que logo-logo eram vendidos. Voltava à Igreja e me abastecia novamente.

Pouco depois das 15 horas, a procissão saía da sede da Igreja para seu enorme percurso. Seguia pela rua Teresina, atravessava a Praça Uruguaiana, entrava na rua Mariana, dobrava à direita na rua Garças e seguia até à rua Gurutuba, onde havia o campo de futebol do Avante, hoje Grêmio Mineiro.

À essas alturas já tínhamos saído do Bairro Bom Jesus e estávamos percorrendo a Vila Nova Esperança. Um pouco à frente, entrávamos no bairro Aparecida onde seguíamos pela extensa rua Aporé até quase ao seu final na Avenida Antônio Carlos.

Vinha a subida da avenida Cândido Lúcio, a rua Madureira, daí a rua Bernardo Cisneiros onde eu morava no número 294. O quarteirão seguinte era a rua São Clemente, a procissão entrava à direita na rua Madalena e daí até à rua Teresina, também uma subida, até chegar à praça Bom Jesus, onde ficava a Igreja.

A praça Bom Jesus ficava abarrotada de fiéis à espera do sermão do santo Padre Heli.

Assim acabava a Sexta-Feira Santa.

Agora, era esperar o Sábado de Aleluia, quando haveria a festiva queima do Judas.

Antes da queima, havia leitura do testamento do Judas.

Eram lidas quadrinhas bem-humoradas que levavam a plateia às gargalhadas. Muitos destes testamentos foram escritos pelo meu saudoso Pai, Paulo Marinho, dono de criativa e sarcástica veia poética. Como ele era muito modesto, dizia que o testamento havia sido escrito pela Maria Helena, minha irmã.

Anos depois, a Igreja refez o seu calendário e acabou com o Sábado de Aleluia. A festa da ressurreição de Cristo ficou, como devia ser, para o domingo à tarde e à noite a queima do Judas.

São anos e anos de lembrança.

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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi FOTO SOFIA MARINHOdurante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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1 thought on “Sextas-feiras da Paixão. Blog Mário Marinho

  1. Marinho, viajei no tempo, apesar de morar na ex-capital federal, o Rio de Janeiro cumpria fielmente o roteiro de sua Minas Gerais. Adorei

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