Cúpula de Belém

… e essa foi a gota d’água – a França não foi convidada a participar da cúpula de Belém como país amazônico, mas como “Estado associado”. Em suma, como participante de segunda classe, daqueles que a gente convida de favor…

Cúpula de Belém

 

Abriu-se ontem em Belém uma reunião de cúpula, convocada por Lula, reunindo chefes de Estado dos países amazônicos. Respondem a essa qualificação os países cujo território inclui uma fração da floresta tropical. A mídia disse e repetiu que são oito os países amazônicos. Está errado, a conta não bate.

Na verdade verdadeira, os países amazônicos são nove. E por que razão todos falam de apenas oito? É porque a Guiana Francesa, território francês vizinho de parede de nosso Amapá, apesar de ter a totalidade de sua área coberta pela floresta amazônica, não enviou representantes de alto escalão.

Bem que Luiz Inácio convidou pessoalmente seu colega Emmanuel Macron (que, aliás, está de férias neste momento, descansando num forte pertencente à Marinha e situado na Côte d’Azur). Monsieur Macron não veio nem mandou nenhum de seus ministros. Preferiu enviar representantes de segundo escalão. E por quê?

Evidentemente, Paris não deu a verdadeira explicação, que a linguagem diplomática não permite. Nessas horas, apesar das férias de Macron, alega-se que há “problemas de agenda”. Aos observadores, resta especular. E não é difícil descobrir.

Em primeiríssimo lugar, Macron está profundamente desapontado com a atitude de Lula diante da guerra na Ucrânia. Paris imaginava que, mais vivido e experiente que seu antecessor, Lula tivesse facilidade de compreender a mecânica do mundo. Macron pensava que Lula entendesse que, nesse conflito, há um agressor e um agredido. A obstinação de Luiz Inácio em pôr os dois beligerantes no mesmo balaio e se recusar a condenar Putin pela agressão criou um ambiente de desconfiança e desagrado. Tendo sido um dos primeiros a apoiar Lula e parabenizá-lo pela vitória, Macron decepcionou-se com o apoio que Lula deu (e continua dando) a Putin. Em Paris, a atitude de Lula soou como traição.

Em segundo lugar – e essa foi a gota d’água – a França não foi convidada a participar da cúpula de Belém como país amazônico, mas como “Estado associado”. Em suma, como participante de segunda classe, daqueles que a gente convida de favor. Se o chefe de Estado francês tivesse vindo, teria sido percebido como uma espécie de penetra. Diante dessa condição inaceitável, Macron não veio.

Luiz Inácio fez mal em não prestigiar o colega francês. Não se deve maltratar gratuitamente os amigos, especialmente aqueles que te deram a mão num momento difícil. Além de mostrar mau-caratismo, o descaso pode custar caro e fechar portas.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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