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Artimanha de aposentado. Por Antonio Contente

        aposentado = playboyClaudião, o robusto Claudião, era aposentado e morava aqui no meu bairro. Fenômeno típico da realidade brasileira, conseguira parar de trabalhar aos 45 anos e, aos 50, levava um vidaço. Além de morder graninha de bom tamanho do seu fundo de pensão ligado a uma estatal, velha tia que morava em Amparo deixou-lhe de herança vários imóveis além de aprazível e rentável fazenda. Pois bem, encontrei certa vez tal personagem numa banca de jornais justo no instante em que ele comprava o último número da “Playboy”que, naquele tempo, ainda existia com certa fértil circulação.

         — Resolveu dar mais realce à suas fantasias eróticas? – Brinquei.

         Repentinamente vermelho ele enfiou a publicação sob o suéter, ao mesmo tempo em que pediu que eu falasse baixo.

         — Algum problema? – Murmuro.

         — Absolutamente – ele cicia – porém não quero que você, sem querer, estrague meus planos.

         Dito isso me puxou para derrubar um café no balcão da padaria, onde revelou que a revista que acabara de comprar fazia parte de um plano.

         — Com isto aqui – garantiu, mostrando discretamente a capa – vou faturar a melhor empregadinha das redondezas.

         — Santo Deus – ergui as mãos – mas…

         — A minha esposa – Claudião cortou – está em Amparo. Aliás, desde que ela resolveu tocar a fazenda, raramente vem pra Campinas.

         — Tudo bem – balanço a cabeça – porém você já não tá meio crescido para andar atrás de empregadinhas?

         — Você diz isso porque não conhece.

         — Quem?

         — A empregadinha que estou a fim.

         Rapidamente contou que vinha dando em cima da guria há vários dias.

         — Eu a vi pela primeira vez – detalhou – aqui na padaria. Ela vem sempre, cedo, comprar leite e pão mais o jornal, ali na banca.

         — Você não se dá mesmo ao respeito, não é, Claudião?

         — Bom… – Ele vacila – Talvez você tenha razão, entretanto, não resisti. Na terceira vez em que a vi joguei em cima dela

         — Jogou o que?

         — Uma cascata.

         — E colou?

         — Está colando…

         Foi neste instante que, olhando para a “Playboy”, apontei:

         — O que a revista tem a ver com sua cara-de-pau?

         — Aí é que está…

         — Aí é que está o que?

         — Veja – ele ergueu a publicação – uma das cascatas que joguei em cima da menina é que ela tem condições.

         — Condições? De que?

         — De posar para uma revista como esta; eu a comprei para dar a ela. Quero mostrar as fotos até porque prometi que iria mexer os pauzinhos.

         — Posso saber pra que?

         — Para arranjar… – Claudião balançou o corpanzil.

         — Arranjar o que? – Começo a perceber.

         — Que ela pose.

         — Para a “Playboy”? – Me apoiei no balcão, para não cair.

         — Cascata, não é? – O aposentado pigarreou – Sei que ela tá interessada, prometo, e daí…

         — Ah – interrompi – você não tem mesmo jeito.

         — Ora, isso acontece nas melhores famílias. Amanhã de manhã vou esperar que ela venha à padaria para lhe dar a revista. Então…

         — OK, OK – ergui as duas mãos – espero que você não entre numa fria.

         Isso aconteceu certa manhã d’outrora, como já disse. E, naturalmente, no alvorecer seguinte, cedo, tinha mesmo que tomar o susto que tomei. Pois Rosineide, a empregadinha que arranjara com baita sacrifício no mês anterior, vinha entrando com meu pão, leite e o jornal numa das mãos. Na outra, um número da “Playboy”. Rápido, me atirei ao telefone. Comecei assim:

         — Pô, Claudião…

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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4 thoughts on “Artimanha de aposentado. Por Antonio Contente

  1. Um texto muito convincente sobre o machismo e mau caráter masculino de então, com resquícios atuais, infelizmente. Abraços, Antonio Amigo!

  2. Antônio Contente é um grande contador de casos

    Como ele não existe
    Um misto de Jorge Amado com Fernando Pessoa
    Uma realista sonhador
    Como só ele sabe ser
    Perfeito

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