STF- tamanduás

Abraços de tamanduás? Por Aylê-Salassié F. Quintão

Abraços de tamanduás? …E, assim, tão intrigante quanto… foi o abraço de Barroso e Gilmar Mendes, o hoje decano do Supremo, após este ter feito o discurso de recepção ao novo Presidente, cargo que também já ocupou…

tamanduás
GILMAR MENDES – LUÍS ROBERTO BARROSO

Quem trair esta Constituição, estará traindo a Pátria“, bradou, aplaudidíssimo, Ulysses Guimarães no discurso de promulgação da Carta Magna de 1988. Trinta e cinco anos se passaram. Ulysses morreu, e a sétima Constituição Brasileira passou, no período, por uma revisão e quase 130 Emendas. Novas dúvidas são lançadas agora com a posse de Luís Roberto Barroso na Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. O ministro, indicado por Dilma Rousseff para o STF, é um ativista histórico, ex -advogado de Cesare Battisti, o revolucionário italiano preso no Brasil, e deportado.

Barroso substituiu Rosa Weber, uma ministra discreta que comandou o Poder Judiciário em meio às tensões eleitorais, com a missão de tirar o STF do centro do debate político. Ao contrário, no novo cenário, cercado de ambiguidades, a posse de Barroso despertou na consciência a velha cantiga de roda que dizia “Eu mandei fazer um laço do couro de jacaré, pra laçar o boi barroso, num cavalo pangaré“. A agenda do novo Presidente do STF é quase um programa de Governo. Mostra um ministro ativo, sobretudo, na luta pelos direitos das minorias. De constranger as representações do Executivo presentes.

Sua intempestividade verbal é incontida, as intensões nem sempre claras. Em um encontro com dirigentes da União Nacional dos Estudantes (UNE), o então futuro Presidente da Corte Suprema enfatizou que “Nós derrotamos a censura, a tortura… e o bolsonarismo!”. Em outra fala, ainda mais imprudente, Barroso afirmou que “Eleição não se ganha, se toma”. Esse comportamento do ministro expõe um pensamento quase beligerante. No Supremo, advogados de defesa de réus chegaram a chorar, ao reconhecer que a instituição já não respeitava a Constituição.

Irritada, no Congresso, a oposição esboçou a possibilidade de entrar com um pedido de impeachment do ministro, passando a cobrar da instituição respeito à Constituição, onde está explícito que magistrados não exercem atividades políticas. Uma dessas falas inconsequentes de Barroso levou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a classificá-la como “inadequada, inoportuna e infeliz”, obrigando a Presidência do STF a emitir uma nota explicativa. Desconfortado no Supremo, o ministro mesmo teve de se explicar em outra nota. Tramita, na Câmara, o PL 49, que limita os poderes dos membros do STF.

Na indicação de Barroso para o STF, há dez anos, foram destacadas as virtudes acadêmicas do candidato (mestrado e doutorado feito nos Estados Unidos), professor de Direito Constitucional, e suas qualidades como professor. Já era conhecido, entretanto, como um ativista do Direito Constitucional. São principalmente dele os questionamentos as lei maiores do Estado do Rio de Janeiro e à Constituição de 1988. “Porque não uma Constituição pra valer ?!” “com preocupação não apenas jurídica, mas também política?”.

Assim, as constantes intromissões do STF nas competências do Congresso Nacional, sobretudo, quando se trata de pautas de costumes, tem provocado reações constantes de indignação no Parlamento, que, por sua vez, começa a desqualificar decisões do Supremo, como no caso do Marco Temporal (PL 460), segundo o qual só teria direito às suas terras de origem as comunidades indígenas que estivessem constituídas até 1988. O STF vetou. Contrariando a decisão, a Câmara a aprovou, desautorizando a decisão do Judiciário. O Congresso chegou a reunir um grupo de 22 frentes parlamentares, de todos os matizes e tendências, para contestar essas determinações do STF no campo da política.

E, assim, tão intrigante quanto… foi o abraço de Barroso e Gilmar Mendes, o hoje decano do Supremo, após este ter feito o discurso de recepção ao novo Presidente, cargo que também já ocupou. Numa embate em plenário, há dois ou três anos, Barroso chamou Gilmar de “Horrível. Uma mistura do mal com pitadas de psicopatia”. Ironicamente, coube agora a Gilmar introduzi-lo como Presidente. Era responsabilidade do decano falar em nome dos demais ministros. Gilmar não perdeu a chance: advertiu que a Constituição de 1988 representa os 35 anos mais longos da vida normal republicana no País.

Envolvidos pela liturgia da festa de posse de Barroso, as 1.500 autoridades convidadas poucas se deram conta das entrelinhas na fala de Gilmar, que destacava as qualidades acadêmicas e pedagógicas de Barroso. Foi um discurso, como de Barroso, também com três partes. Mas a mais dúbia foi a segunda – a do meio (a carne do sanduiche) – em que mais moderado na eloquência, deixou transparecer que é de Barroso a responsabilidade pela politização do Supremo. Seria o troco?!… Barroso chegou a responder dizendo que a judicialização de temas políticos se devia à amplitude temática da própria Constituição.

Gilmar foi mais longe, antecipou o perfil ou a personalidade de Barroso, caracterizando-o como alguém que, constitucionalmente, “vai além das palavras, ágil e transformador”. Para Gilmar, com Barroso, “os dispositivos constitucionais ganham relevância prática e -acentuou – “jurisprudencial” – conjunto de interpretações e reinterpretações da lei que adquirem legitimidade ampla -, apresentando inclinações para mudanças reais. Disse ainda que a preocupação de Barroso com o Direito Constitucional sempre foi  fazer dele uso como um meio de transformar na vida do País, dando-lhe relevância prática, permitindo uma análise mais ampla para os direitos fundamentais, na construção do que chama de uma sociedade mais justa e igualitária, genericamente, caracterizada, por Gilmar, como uma “propensão para a inovação”, voltada  para a formação de um pensamento crítico e de cidadãos conscientes, “numa perspectiva, exclusivamente, revolucionária, em relação aos direitos humanos “.

Para Mendes, Barroso tem participação efetiva dentro do Supremo nas pautas de costumes. É uma personalidade “tão serena quanto desassombrada, tão prudente quanto incansável”, trabalhando – repetiu – para que o Direito Constitucional – especialidade dele – seja um meio de indução política. “Sua atuação em conselhos e em comissões dedicadas a elaboração de propostas legislativas certamente está gravada para sempre “.

As lembranças dessa judicialização da política ou da politização do Judiciário, traz à memória Luís Galotti, então presidente do STF, que, no governo militar, vendo a Constituição transformada em “enfeites institucionais”, indignado, cerrou as portas do Supremo Tribunal Federal, atravessou a Praça dos Três Poderes, foi ao Planalto, e entregou a chave ao marechal Costa e Silva.

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
 E autor de Lanternas Flutuantes:
Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
Tailandês – Loi Kathong (ลอยกระทง) 

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