Gaza: Israel ganha mas perde na imagem. Por Rui Martins
… por não ter sabido dosar a resposta ao ataque terrorista do Hamas, Netanyahu está transformando numa dolorosa derrota sua vitória em Gaza, comprometendo a imagem de Israel e permitindo o ressurgimento do antissemitismo…
O custo é extremamaente elevado: por não ter sabido dosar a resposta ao ataque terrorista do Hamas, Netanyahu está transformando numa dolorosa derrota sua vitória em Gaza, comprometendo a imagem de Israel e permitindo o ressurgimento do antissemitismo. Mais de quatro meses de combate e bombardeios, mais de 30 mil mortos, a impressão é a de Israel ter entrado num enorme atoleiro, do qual não se pode ainda prever como sairá.
Numa situação dessas, sem poder resistir aos ataques israelenses, sem poder evitar a destruição do seu sistema de túneis e diante do massacre da sua população civil, o Hamas – como costuma acontecer nas guerras – teria se rendido e aceitado a derrota e devolvido os reféns. Porém, isso não acontecerá, a utilização do sacrifício da população palestina é sua melhor arma para impedir uma real vitória israelense.
As acusações de cometer crimes de guerra e mesmo a responsabilização por um discutível genocídio, estão isolando Israel e a perda do apoio do Brasil, depois das declarações do presidente Lula, é preocupante. Nesta altura, já foram esquecidas as 1400 vítimas do ataque do Hamas no 7 de outubro, as violências atrozes contra mulheres e os reféns israelenses não têm mais peso.
Nesse contexto, se pode recorrer à frase do cineasta israelense Amos Gitai, pronunciada nesta semana em Berlim, depois da exibição do seu novo filme Shikun, crítico do primeiro-ministro Netanyahu: “não existe alternativa à paz entre israelenses e palestinos”.
Mas essa paz, encontrada só em alguns períodos, tem sido rara desde a antiguidade bíblica, mesmo se Isaac e Ismael, seriam meio-irmãos filhos do patriarca Abraão, deles provindo os judeus e os palestinos. Com o decorrer do tempo, as divergências e guerras entre eles envolveram e envolvem disputas por terras e por diferenças religiosas.
Nesta semana, diante da Corte Internacional de Justiça da ONU, defendendo uma queixa levada a Haia em dezembro de 2022, portanto antes da guerra de Israel contra o Hamas, as autoridades palestinas denunciaram haver ilegalidade na ocupação por Israel de território palestino desde 1967, depois da Guerra dos Seis Dias. Com a vitória sobre o Egito, Síria e Jordânia, Israel tomou a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém e as Colinas do Golã. Essas conquistas israelenses levaram à Guerra do Yom Kippur, em 1973. Mais tarde, para resumir, em 1993, houve uma curta trégua de paz com o reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP, organização laica, de Yasser Arafat.
O cessar fogo impossível
Essa época na qual houve um breve diálogo e entendimento terminou faz tempo. Depois do atentado do 7 de outubro, o primeiro-ministro Netanyahu jurou acabar com o Hamas. Por sua vez, o estatuto do Hamas define a destruição do Estado de Israel como seu objetivo principal. Diante desses objetivos destrutivos coincidentes, torna-se difícil negociar qualquer acordo. Cada trégua ou cessar fogo parece funcionar como uma pausa de preparação para um novo ataque. Além disso, ao contrário da OLP e o Fatha, movimentos palestinos laicos, o Hamas tem como objetivo criar um Estado fundamentalista islâmico na região. Israel não é um Estado religioso, mas é atualmente governado pela extrema-direita com o apoio religioso dos ultra-ortodoxos.
Há uns vinte ou trinta anos, essa opção teocrática islâmica teria impedido ao Hamas receber o apoio de partidos de esquerda ocidentais. Entretanto, com o aumento da imigração vinda do Oriente Médio e norte-africano, a realidade social mudou em muitos países europeus e a antiga imagem do operário acabou sendo substituída pelo imigrante árabe muçulmano.
Ao mesmo tempo, conta bastante o Irã ser o grande inimigo dos EUA. Essa nova realidade social. política e religiosa reforçou a extrema direita, acusada de islamofobia, mas tem levado a esquerda européia, principalmente a francesa, a rever suas posições ideológicas tradicionais, a rediscutir sua laicidade e a fazer vista grossa ao islamismo com suas teocracias. Seria a islamofilia.
Uma adaptação do feminismo ao islamismo?
As primeiras vítimas dessa islamização da esquerda são as mulheres ou num conceito sociológico, o feminismo. Na França laica, a recente proibição das meninas usarem o véu, hijab ou o foulard islâmico nas escolas por ser uma manifestação religiosa, provocou divisões e abriu discussões dentro do feminismo, envolvendo a emancipação da mulher e legados discriminatórios no pós-colonialismo.
O véu seria sem importância, nada além de um mero traje feminino, ou a materialização da condição inferior da mulher destinada ao casamento e à reprodução, na qual está implícita a proibição do homossexualismo e da liberdade sexual feminina? Uma parcela das feministas minimizou ou rejeitou esse debate como secundário, para evitar uma discriminação.
A variação do pensamento do líder da esquerda Jean-Luc Mélenchon, aceitando o véu ou hijab no espaço público mas por sua proibição nas escolas, revela um compromisso com seu eleitorado de confissão islâmica, que poderá levar, numa próxima campanha eleitoral a defender a abrogação da lei. O que permite uma pergunta: a defesa dos princípios básicos do feminismo voltará a ser secundária no programa da esquerda, diante dos problemas sociais mais urgentes e da influência islâmica?
Usamos essa questão de uma reavaliação do feminismo francês diante da presença islâmica, ainda inserida nos debates das discriminações pós-colonialistas, para mostrar a atual influência da religião islâmica dentro da esquerda francesa. E na esquerda brasileira?
Talvez o desconhecimento dos Estatutos do Hamas tem feito muita feminista brasileira, algumas com cargo de deputadas federais, apoiarem o Hamas. O mesmo ocorre com relação a alguns líderes políticos masculinos de esquerda, cujo apoio nem sempre é ao povo palestino mas à organização do Hamas, organização religiosa, autoritária, machista, com o objetivo de implantar uma teocracia na antiga Palestina, no modelo iraniano.
Nisso se sobressai o POC, Partido da Causa Operária, extrema esquerda, que se declara 100% com o Hamas… “se é um grupo religioso, estamos ao seu lado e apoiamos os importantes serviços que prestam à humanidade”. Essa declaração pública rejeita os princípios básicos da esquerda tradicional, encampa os atos de uma teocracia violenta, despreza as denúncias de governo ditatorial na Faixa de Gaza e pode ser considerada como um elogio político ao antissemitismo.
É uma declaração extrema, porém o líder da esquerda francesa Mélenchon não condenou claramente o ataque do 7 de outubro e pressionado por um jornalista da BFMTV sobre se designava o Hamas como organização terrorista, negou-se a usar esse termo mas sim o de “ato de guerra”. Para ele, as duas únicas organizações consideradas terroristas pela ONU são Al Qaida e Daesh.
É nesse contexto que talvez se possa entender a frase de Lula considerando haver genocídio na Faixa de Gaza, não ter existido nada igual em nenhum momento histórico e comparando, o que ali ocorre, com a matança de judeus, ou o Holocauto, por Hitler. Imagina-se que essa frase, de repercussão mundial, seguida de uma crise com Israel, tenha sido elaborada com seu assessor Celso Amorim.
DIRETO DA SUIÇA
- Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –
https://www.youtube.com/@rpertins
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Rui Martins – Direto da Suiça – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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Prezado Rui,
Seu artigo tem muitas verdades, mas ouso fazer algumas ponderações: em primeiro lugar, os herdeiros de Abrahão, Isaac e Ishmael, não deram origem aos povos judeu e “palestino”. A seguir-se essa explicação bíblica, a palavra correta a ser usada é “árabe” e não “palestino”, até porque não existe, propriamente, um “povo palestino”. O povo que ali se encontra é árabe. Palestina é apenas uma denominação de caráter regional, atribuída à Judeia pelo imperador Adriano, após destrui-la, inclusive ao Segundo Templo. Além de mudar o nome da região de Judeia para Palestina (que seria “terra dos filisteus”), mudou também o de Jerusalém para “Aelia Capitolina”. Os árabes islâmicos ali chegaram nas invasões do século VII, portanto cerca de 700 anos após o batismo da terra com o nome de Palestina, o que foi feito para tripudiar sobre os judeus, que tinham os filisteus como seus grandes inimigos. Chamar de “povo palestino” é cair na armadilha de marketing criada por Arafat, para criar um “povo” que nunca teve um estado, um rei, um país, nada ! Tanto Palestina sempre foi apenas uma região, e jamais um país, que havia “árabes palestinos” , “judeus palestinos”, etc. Palestino sempre foi, apenas e tão somente, um adjetivo indicador de região.
Um ponto que eu gostaria que você esclarecesse é o seguinte: se o Hamas, “longa manus” do Irã, assim como outros da mesma estirpe, desejam criar um estado islâmico que cubra toda a terra até o Mar Mediterrâneo, e se isso é expressamente declarado no Estatuto do Hamas, pergunto: como seria possível que o estabelecimento de um estado palestino ao lado de Israel, representasse um fator de paz, se terroristas liderados pelo Irã, na interpretação que fazem do Corão, não admitem qualquer outra denominação religiosa (nem judaica, nem cristã, nem bahai, nem nada) a não ser islâmica naquelas terras ? E quem iria botar o guizo no pescoço do Irã ?
Atenciosamente,