O fascínio da riqueza nas redes e na política. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 1 mês agoHá duas semanas, eu disse na TV que Pablo Marçal usava uma aura de sucesso profissional e prosperidade para seduzir a juventude da periferia. As patrulhas caíram em cima, por acharem que não o criticava com vigor. Ignoram meus artigos e não percebem que eu apenas buscava uma vereda de análise para entender um fenômeno político.
Com a prisão no Recife da advogada Deolane Bezerra, posso voltar ao tema, com um pouco de calma. Ela tem 20 milhões de seguidores. O exame de suas postagens nas redes sociais mostra Deolane testando carros de luxo, navegando com a família, saindo carregada de compras de uma loja da Louis Vuitton. Tudo com a ajuda de Deus.
As pessoas parecem se identificar com os que amealham grandes fortunas, sem se questionar muito sobre os métodos usados. Quem conhece melhor que eu comunidades pobres costuma dizer que os meninos que trabalham para o tráfico de drogas parecem mais atraentes para as garotas porque ostentam um nível de consumo maior.
Uma das minhas hipóteses é que essa vertente que se revela na política é inspirada pelo sucesso pentecostal da Teologia da Prosperidade. Muitas denominações religiosas apresentam a prosperidade como uma espécie de amor divino e argumentam com esta passagem da Bíblia, em João 10:10:
— Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.
Naturalmente, o favor divino é atrelado à generosidade com que se paga o dízimo. Quanto maiores as doações à igreja, maior será o retorno financeiro como resposta divina.
A Teologia da Prosperidade é alvo de controvérsia entre religiosos que centram sua vida espiritual no amor ao próximo, independente de riqueza pessoal. Mas o conflito maior se dá na projeção política. Se a esquerda não fosse tão entorpecida, poderia compreender a Teologia da Prosperidade como algo que desafia as propostas de políticas públicas em busca de segurança coletiva. Educação de qualidade, serviços de saúde eficazes e saneamento só se tornam um antídoto contra essa ilusão de enriquecimento pessoal nos lugares onde funcionam. Mesmo assim, como pude testemunhar nos longos anos vividos na Escandinávia, muita gente reclama do Estado de Bem-Estar porque, segundo dizem, os impostos altos reduzem seu crescimento individual.
No caso brasileiro, a julgar pelas manifestações de 2013, não se confia mais em partido político. Mesmo aqueles que adotam o discurso do bem-estar coletivo são vistos como usando um disfarce para esconder aquilo que realmente interessa: o enriquecimento pessoal. As denúncias de corrupção em governos servem para confirmar a suspeita de que a realidade é a busca pessoal de enriquecimento, e a segurança coletiva apenas uma cantiga para ninar os ingênuos.
Com esse contrabando das práticas religiosas para a política, não teremos adiante apenas um grande número de candidatos ostentando luxo e prometendo-o a seus potenciais eleitores. Muito possivelmente, tentarão fazer milagres, estimulando paralítico a andar, prometendo curas para todas as doenças. Quando o espaço político entra em decadência, começa não só o paraíso da aventura, mas torna-se mais fraca a própria mensagem religiosa de amor ao próximo e solidariedade.
O caminho não é fazer o elogio da pobreza, muito menos defender a segurança coletiva desprezando a singularidade individual. As políticas públicas precisam funcionar, e a prosperidade obedecer a alguns princípios éticos, não pode florescer à margem da lei.
Neste momento, as perspectivas são desoladoras. O país arde, e a elite política trata incêndios como algo que acontece no Afeganistão. É cedo para afirmar, mas pode ser que a campanha americana produza alguma indicação de como combater a antipolítica sem cair no terreno pantanoso da pura troca de acusações.
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