Mário Vargas Llosa

Mario Vargas Llosa e o Espetáculo da Superfície. Por Meraldo Zisman

Mário Vargas Llosa
(Uma despedida lúcida em tempos de ruído)
mário vargas lhosa

Morreu Mario Vargas Llosa. Morreu, mas deixou acesa uma vela firme em meio ao vendaval. Partiu no dia 13 de abril de 2025, e não levou consigo apenas o prestígio de um Nobel. Levou a serenidade desconcertante dos que ainda ousavam pensar com o coração exposto e a mente vigilante. Em A Civilização do Espetáculo, aquele pequeno grande livro de 2012, ele nos deu um espelho — e, como todo espelho honesto, ninguém gostou muito do que viu. Advertia ali que a cultura deixará de ser alimento do espírito para virar passatempo. O conhecimento virou distração. A arte? Mercadoria de luxo, prateleira de vaidades. A política se vestiu de teatro. A mídia, de circo. O pensamento crítico, esse hóspede incômodo das consciências, foi mandado embora sem sequer um café.

Llosa escreveu com pena, mas também com pulso. E enxergava adiante: antevia um tempo — este nosso — em que os influenciadores substituiriam os intelectuais. Em que o gesto teatral valeria mais do que o argumento. Em que a verdade seria moldada ao sabor dos algoritmos. Hoje, parece até exagero dizer que ele previu. Mas não: ele apenas sentiu. Porque os grandes escritores não leem o futuro — eles ouvem seus estalos, ainda surdos para o resto do mundo.

Na civilização que ele denunciou, as aparências sufocaram a essência. A forma engoliu o conteúdo. O espetáculo não é mais exceção, é regra. E quem ousa desviar o olhar das luzes para perguntar “por quê?” — vira incômodo. Ou invisível. A desinformação corre solta, vestida de verdade. A inteligência artificial, que poderia nos libertar, às vezes serve para nos iludir melhor. Confunde o olhar, embaralha o juízo, empacota certezas fabricadas. Llosa temia tudo isso — e talvez temesse ainda mais a nossa apatia.

Mas não, este texto não é um lamento. É um convite. Ler Llosa hoje não é saudade: é resistência. É o gesto sereno de quem decide nadar contra o fluxo. É recusar o conforto da superfície. É aceitar o incômodo da dúvida, da profundidade, da pergunta que não cabe num post. A Civilização do Espetáculo não é um epitáfio — é um sopro. Ele nos chama de volta. Nos convoca a devolver ao pensamento o lugar que lhe pertence. A lembrar que cultura não é só decoração de elite, mas ferramenta de transformação. E que viver é mais do que entreter-se: é também escolher em que direção se quer caminhar.

Vargas Llosa se foi. Mas sua voz ainda ecoa, discreta, onde houver silêncio bastante para escutá-la.

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos maiores e pioneiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.

Relançou – “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradoxum.org/nordestepigmeu

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