missal

O missal (embora não o use mais) é um livro especial. Foi impresso em Paris, em 1935. É uma terceira edição em latim e espanhol. As folhas finas, tipo papel bíblia, estão manchadas pelo tempo e pelo uso…

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No dia em que o papa Francisco morreu vago inquieta do quarto à sala, espiando o sol que desponta lá fora. A névoa e o orvalho da noite cobrem ainda o campo adormecido. Lá longe o mundo está caótico. E o Vaticano  se prepara para o Conclave.

Perdido em alguma gaveta de recordações familiares do século passado guardo um diploma, que via sempre na casa de minha mãe argentina -a visita de seus avós ao Vaticano. Um belo pergaminho escrito em letras góticas com a imagem do Papa Pio XII e do momento abençoado do beija-mão. Hoje, uma relíquia tangível de uma época ainda entre parênteses.

Vivi no tempo em que, menina, ia à missa com meus pais. Todo domingo, logo de manhã, vestia a roupa de sair, pegava o missal e o véu que cobria a cabeça. Tenho esse missal até hoje, guardado na escrivaninha estilo inglês, que também herdei de minha mãe, onde ficam minhas relíquias.

O missal (embora não o use mais) é um livro especial. Foi impresso em Paris, em 1935. É uma terceira edição em latim e espanhol. As folhas finas, tipo papel bíblia, estão manchadas pelo tempo e pelo uso.

 O missal era o livro de cabeceira do cristão. Além da missa completa, trazia a biografia dos santos – o santoral – um para cada dia. A missa era em latim numa coluna e espanhol na outra. O sermão do padre era em português. Eu gostava da missa solene com canto gregoriano, muitas velas, e dos ricos paramentos que o padre vestia. E o incenso que lançava volutas de fumaça perfumada. Parecia que tudo vibrava no ar.

No domingo de Páscoa Francisco abençoou pela última vez os fiéis reunidos na praça do Vaticano. Suas últimas palavras foram em favor da paz e do desarmamento, da liberdade religiosa, incluindo a liberdade de pensamento e também de expressão. Em 2020 anunciou a abertura dos arquivos mantidos até então secretos sobre a atuação de Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial.

Era o papa que não queria ser Papa, o primeiro do continente sul-americano, aquele que em Buenos Aires transitava pelos bairros mais desamparados da cidade em que nasci e tinha ideias progressistas… Ma non tropo.  Francisco soube se manter livre diante do protocolo e convenções vaticanas.

O Papa Francisco I morreu no dia de Santo Anselmo (1033-1109), segundo meu missal.  Este, depois de uma vida atribulada se converteu e se tornou monge beneditino. Foi arcebispo de Cantuária, na Inglaterra e precursor da teologia escolástica que busca o caminho da fé sem descartar a razão.  “Não busco compreender para crer mas creio para compreender” era seu lema.


Teresa Montero Otondo – jornalista,  autora de “Rascunhos de Vida – entre livros e escritos”. (Editora Coerência, BP 2024.)

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