
Caiu do céu. Por José Horta Manzano
… Nosso céu, antes limpo e infinito, virou um carrossel de lixo. E como já sabiam os antigos – e como confirma a física – tudo o que sobe acaba caindo. A gravidade, paciente e constante, cobra seu tributo com o tempo…
Durante milênios, o céu foi apenas o lar dos astros, das nuvens e dos sonhos humanos. Hoje, ele é também o depósito de um perigoso quebra-cabeça metálico. Desde que o primeiro satélite artificial foi lançado em 1957, uma silenciosa e crescente multidão de objetos passou a orbitar a Terra. No começo, eram poucos e gloriosos marcos da corrida espacial. Depois, viraram dezenas, centenas e, com o tempo, milhares de artefatos — satélites ativos, lixo espacial, partes de foguetes, painéis solares desativados, parafusos soltos. Tudo isso formando uma espécie de anel invisível ao olho nu, mas cada vez mais denso, caótico e ameaçador.
Nosso céu, antes limpo e infinito, virou um carrossel de lixo.
…É hora de levar a sério o que vem do céu. Precisamos de regras internacionais mais firmes, de fiscalização real e de planos concretos para lidar com os resíduos espaciais…
E como já sabiam os antigos – e como confirma a física – tudo o que sobe acaba caindo. A gravidade, paciente e constante, cobra seu tributo com o tempo. E foi assim que, recentemente, veio a notícia de que um pedaço de 495 kg de uma nave lançada em 1972 – uma missão fracassada com destino a Vênus – deve reentrar na atmosfera terrestre nos próximos dias. Essa peça em particular é o estágio superior de um foguete soviético, vagando feito alma penada há mais de meio século, agora prestes a voltar para casa. Mas onde, exatamente, vai cair? Ninguém sabe.
O risco de atingir área habitada é pequeno. Estimativas apontam para uma probabilidade ínfima – mas não nula. E esse é o ponto que deveria nos preocupar. Porque, se não for esse específico destroço, amanhã pode ser outro. Existe uma classe crescente de zumbis espaciais – objetos não-funcionais que continuam em órbita – esperando sua vez de despencar sobre a Terra. Em geral, se desintegram ao reentrar, mas pedaços maiores, como esse, podem resistir e chegar ao solo.
A questão não é mais “se” algo vai cair em local povoado, mas “quando”. E o que temos feito para evitar isso? Ainda muito pouco. Existem planos, estudos e promessas de futuros satélites com sistemas de reentrada segura ou mecanismos de autodestruição. Há empresas e agências espaciais estudando “aspiradores” espaciais para recolher o lixo orbital. Mas são iniciativas pontuais, caras e lentas.
Enquanto isso, o número de satélites só aumenta. Com projetos como o Starlink e outros similares, a expectativa é que dezenas de milhares de novos objetos sejam lançados nos próximos anos. Multiplicam-se as conexões, mas também os riscos.
É hora de levar a sério o que vem do céu. Precisamos de regras internacionais mais firmes, de fiscalização real e de planos concretos para lidar com os resíduos espaciais. Porque esperar a desgraça para agir depois é a receita certa para ela acontecer.
Afinal, quando alguma coisa cai do céu, nem sempre é uma bênção.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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