
Verdades inconvenientes. Por Aldo Bizzocchi
Circulam entre nós certas verdades inconvenientes, que todos nós sabemos que são verdades, alguns de nós fingem que são mentiras, mas ninguém ousa sustentar publicamente.
Existem certas verdades que todos — ou quase todos — conhecemos e sabemos que são de fato verdades, mas que, no entanto, não podemos afirmar publicamente sob pena de censura, cancelamento ou mesmo punição legal. Comentamos essas verdades entre amigos, familiares, colegas de trabalho (dependendo de onde trabalhamos, é claro!), mas jamais podemos expô-las num veículo ou evento públicos, como um blog, site, entrevista, palestra ou reunião. Sobretudo de algumas décadas para cá, criou-se no mundo ocidental uma espécie de verdades oficiais incontestáveis que todos os órgãos de imprensa reproduzem e os políticos das mais diversas colorações ideológicas defendem — uns por acreditar (ou fingir acreditar) realmente nessas “verdades”, outros por medo de contrariá-las e assim perder votos ou prestígio. Há verdades que não podem ser ditas — a menos que se aceite pagar o alto preço da desonra e do linchamento moral.
Muitas vezes, especialmente na esfera das políticas públicas, insiste-se num falso diagnóstico de certos problemas, que leva inevitavelmente à proposição de falsas soluções, porque a verdadeira causa do problema não pode ser apontada abertamente já que ela pode não ser politicamente correta. Como resultado, as soluções apresentadas jamais resolvem o problema, e aí culpa-se aquilo ou aqueles que não são os verdadeiros responsáveis, ou o são apenas em parte. Mexe-se no que pode ser mexido, mas há sempre algo “imexível”, algo que, por ser uma verdade sagrada, um dogma inquestionável, não pode ser tocado, pois, por definição, não é ali que está o problema — embora esteja.
Circulam entre nós certas verdades inconvenientes, que todos nós sabemos que são verdades, alguns de nós fingem que são mentiras, mas ninguém ousa sustentar publicamente. A situação assemelha-se muito ao clima daquelas ditaduras em que todos os cidadãos sabem que vivem sob o jugo de um tirano cruel e sanguinário, mas, temendo pela própria vida, o saúdam como o mais justo e generoso dos líderes. Há uma anedota dos tempos da China comunista de Mao Tsé-Tung (mas parece que a situação lá não é muito diferente hoje em dia) em que um cidadão ocidental pergunta a um chinês: “Como vai a situação política aí na China?”
Ao que o chinês responde: “Não posso me queixar.”
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Aldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.
Autor, pela Editora GrupoAlmedina, de “Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”
Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br