
Um túnel entre a memória e o futuro. Por Antonio Carlos Fonseca Cristiano
Quase cem anos depois, túnel submerso sai do papel e pode ser marco da engenharia no país
ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO DIÁRIO DO LITORAL, EDIÇÃO DE 4 DE JUNHO DE 2025
Por décadas, o canal que separa Santos e Guarujá foi mais que uma divisão geográfica. Foi um símbolo das promessas não cumpridas e dos sonhos adiados. Desde os primeiros esboços em 1927, a ideia de uma ligação seca entre as duas cidades habitou o imaginário coletivo da Baixada Santista, quase como uma lenda urbana.
Hoje, em 2025, o projeto do túnel submerso entre Santos e Guarujá ganha contornos reais. Com um investimento estimado em R$ 6 bilhões, financiado por uma parceria entre os governos federal, estadual e a iniciativa privada, a obra foi oficialmente impulsionada com o lançamento do edital em fevereiro de 2025 e leilão marcado para setembro.
O anúncio do túnel indica que terá 1,5 km de extensão, dos quais 870 metros serão submersos a 21 metros de profundidade no canal do Porto de Santos. Será o primeiro do tipo na América Latina. A técnica será de módulos de concreto pré-moldados, fabricados em doca seca e imersos por controle eletrônico, método já consolidado em países como Holanda, Japão e Dinamarca.
Outro ponto que levanta esperanças é que a estrutura trará três faixas por sentido, sendo uma adaptável ao Veículo Leve sobre Trilhos – VLT. Terá ainda vias exclusivas para pedestres e ciclistas, integrando modais sustentáveis e reduzindo o tempo de travessia de até duas horas para menos de dois minutos.
Como saído de um sonho, toda a estrutura agilizará fluxo diário de mais de 20 mil veículos, milhares de ciclistas e pedestres, além de gerar 9 mil empregos diretos e indiretos.
Para o Porto de Santos, a obra significará ganhos logísticos expressivos, eliminando gargalos no transporte de cargas e reduzindo a dependência das balsas, hoje sujeitas a interrupções climáticas e congestionamentos.
Apesar dos benefícios, o projeto enfrenta críticas quanto a potenciais impactos. No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) consta a supressão de 10,5 hectares de Mata Atlântica, incluindo 4,4 hectares de manguezais, e riscos à fauna marinha, como tartarugas-verdes e botos, devido à turbidez da água e contaminação por metais pesados durante a dragagem. Além disso, quase 800 imóveis serão afetados, entre moradias regulares e irregulares, exigindo programas de reassentamento que ainda está em discussão.
Embora as audiências públicas realizadas em abril de 2025 tenham tentado esclarecer dúvidas sobre mitigação de impactos e compensações, persistem incertezas quanto à efetividade das medidas propostas. Serão necessários, por exemplo, a realização ode estudos adicionais para controlar a liberação de sedimentos contaminados durante a escavação, bem como a análise de riscos geotécnicos, por conta do solo argiloso e instável da região.
De todo modo, o túnel Santos–Guarujá simboliza um avanço histórico, e é preciso reconhecer que a união de diferentes entes públicos e privados foi efetivo. Porém, o legado desse projeto dependerá, justamente, da capacidade de conciliar desenvolvimento com responsabilidade socioambiental.
O que se espera, a partir de agora, é que a obra conte com monitoramento rigoroso, diálogo contínuo com as comunidades e transparência na gestão de recursos públicos e privados. Se bem executado, poderá servir como modelo para futuros projetos de infraestrutura no país, desde que as lições aprendidas, especialmente sobre inclusão social e preservação ecológica, sejam prioritárias.
A comunidade da Baixada Santista, que por tanto tempo aguardou por essa ligação, observa com esperança e cautela. O futuro está sendo construído, e é essencial que todos os envolvidos estejam atentos às responsabilidades que essa grande obra impõe.
ANTONIO CARLOS FONSECA CRISTIANO, “CAIO” – Empresário, santista. Presidente da Marimex Inteligência Portuária em Logística Integrada.