
O psicodrama fiscal. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 2 semanas agoPsicodrama… chamo de ladainha do precisamos. Precisamos fazer algo estrutural, precisamos cortar super salários, precisamos reduzir os incentivos fiscais, precisamos até de uma comissão para pensar a reforma administrativo. Tudo bem, precisamos de tudo isso, há muito tempo…
(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, E NO SITE DO AUTOR,www.gabeira.com.br, EDIÇÃO DE 6 DE JUNHO DE 2025)
Toda essa discussão sobre IOF serve para nos educar sobre o universo fiscal. Saber que existem impostos regulatórios, por exemplo. E a reação instantânea ao aumento do imposto revelou, mais uma vez, a sensibilidade social para o tema, demonstrando que há pouco espaço para avançar nessa direção.
O mais interessante, para quem não é especialista, é examinar este permanente psicodrama do governo e Congresso, uma vez que os gastos da máquina sempre crescem e há limites visíveis na paciência popular.
Na hora de olhar para dentro, buscar outros caminhos é que o drama se instala. O presidente da Câmara Hugo Mota, rejeita o aumento de IOF, mas reconhece a necessidade de mais grana para alimentar o gigante.
A partir daí, ele desencadeia o que chamo de ladainha do precisamos. Precisamos fazer algo estrutural, precisamos cortar super salários, precisamos reduzir os incentivos fiscais, precisamos até de uma comissão para pensar a reforma administrativo.
Tudo bem, precisamos de tudo isso, há muito tempo. Se não temos clareza da razão pela qual nada aconteceu, um debate mais ou menos sério poderia começar daí. O caso do super salários é tipico. Ele atinge todos os poderes e no judiciário ele é mais difundido. Super salários são aqueles acima do teto legal.
A alta burocracia brasileira vive uma ilegalidade salarial e faz tempo. Por que isto não se resolve e todos passam a ganhar o máximo estipulado, equivalente ao salário de um ministro do STF? Isso não acontece não só porque alguns dos que votam recebem super salário e não querem perder o privilégio. Há intercomunicação entre as burocracias do estado e um poder de pressão muito grande. Resultado: isso nunca andou, por que andaria agora?
Da mesma forma, temos as isenções fiscais. Em 2023, chegaram a pouco mais de R$500 bilhões. Todo mundo fala delas. Quando a situação aperta, os políticos mencionam a isenção fiscal como alguns personagens romanescos referem-se à herança de um tio rico. A qualquer momento, podem morrer para nos salvar. Mas isso não acontece nunca. Resta a reforma administrativa. Desde os primeiros mandatos, discuti o tema de várias formas. Era evidente que a revolução digital colocada diante de nós seria um instrumento para uma administração mais eficaz e barata.
Foram inúmeros os debates sobre viagens, tornadas supérfluas pelo avanço nas telecomunicações. Deixei o Congresso em 2010, supondo que o avanço vertiginoso da tecnologia acabaria resolvendo esse pequeno problema. No entanto, vejo que em 2023, atingiram mais de R$2 bilhões, depois de tudo que aprendemos durante a pandemia. Viaja-se muito, descobri na época, porque as viagens representam pagamento de diárias e fortalecem o salário dos funcionários. Além disso, sobretudo nesse terceiro mandato, o presidente viaja muito. Mais do que qualquer outro líder mundial. Ele o faz porque considera que tem um papel importante a cumprir.
Mas por que só ele? Ele acha que Deus fez a seca porque seria eleito presidente e salvaria o Nordeste. Pensa também que pode intervir eficazmente onde todos falharam, sobretudo na guerra entre a Rússia e Ucrânia. Não seria o momento de avaliar o custo beneficio dessas grandes caravanas brasileiras cruzando o mundo? Enquanto os empresários estavam na China, apareceu a gripe aviária no Brasil, um problema real que precisava de troca de informações para que os chineses não cancelassem todas as suas compras. Isto não chegou lá porque seriam nuvens escuras para uma caravana destinada ao céu azul.
É muito difícil mudar tudo isso. O Distrito Federal tem a maior renda per capita do Brasil, 66 por cento acima da média nacional. O que se produz lá além de lei, regulamentos e portarias? Só uma profunda mudança cultural, apoiada nas possibilidades digitais e avanços da IA poderá fazer o estado uma ferramenta adequada para as necessidades do Brasil.
Esperar que isto aconteça por iniciativa da burocracia e não por um impulso da sociedade, é esperar em vão. Sobretudo porque além de todos os subterfúgios para escapar da racionalidade, eles têm um delicioso brinquedo de esconde-esconde. Cada um isoladamente diz: só aceito cortes se todos os poderes o fizerem.
Como não se consegue esta proeza, prevalece o cômodo argumento de que o problema é outro. Mas como os limites estão sendo alcançados é possível que alguma saída, ainda que parcial e precária, seja encontrada.
Toda essa discussão, no entanto, se dá num momento especial: a chegada de novas eleições. Dificilmente, num contexto eleitoral, os gastos vão baixar, sobretudo os que estão diretamente pensados para garantir votos. O problema pode explodir em 2027. Essa é a grande contradição.
O governo Lula é o favorito para herdar o caos financeiro que não pode superar num período de campanha. Isto liquida qualquer esperança de programas de longo prazo. O país tropeça nos problemas cotidianos e tem pouquíssima margem para vislumbrar alguns metros adiante do nariz. Somos escravos do improviso.
Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas. Programas especiais – reportagens – para a GloboNews. Semanalmente, o podcast Fala, Gabeira! – no YouTube – https://www.youtube.com/@falagabeira298
Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.
Ayn Rand A revolta de Atlas. São Paulo: Arqueiro, 2017.