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Extremos que não se equivalem. Por José Horta Manzano
Extremos…Há uma tendência recorrente de colocar extrema esquerda e extrema direita no mesmo plano moral e histórico. A ideia de que uma seria o espelho da outra com sinais trocados não resiste a uma análise mais profunda.

Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor
Há uma tendência recorrente de colocar extrema esquerda e extrema direita no mesmo plano moral e histórico. A ideia de que uma seria o espelho da outra com sinais trocados não resiste a uma análise mais profunda. Embora o radicalismo seja a tônica de ambas, os fundamentos ideológicos, as motivações e os objetivos que as movem são substancialmente diferentes.
A extrema direita tem obsessão pela origem, pelo sangue e pelo pertencimento nacional, assumindo a pátria o valor absoluto. Os que não se encaixam nesse modelo idealizado de cidadão – muitas vezes branco, cristão e “puro” – são considerados ameaça interna. Esse discurso não raro se manifesta na retórica do “resgate de valores tradicionais” ou na defesa de um nacionalismo agressivo e excludente. São os autodenominados “patriotas”, guardiães de uma identidade nacional que não passa de invenção nostálgica de um tempo que não existiu.
Já a extrema esquerda, apesar de também incorrer em excessos e, por vezes, de flertar com o autoritarismo, parte de uma premissa bem diferente. Seu ponto de partida costuma ser a tentativa – nem sempre bem-sucedida – de erradicar a miséria, promover justiça social e melhorar as condições de vida de todos, independentemente de raça, cor, religião ou origem. Se, por um lado, pode perder-se em dogmas ou práticas centralizadoras, por outro, tem como horizonte um projeto de inclusão e equidade. Essa diferença, por si só, já impede que as duas extremas sejam vistas como farinha do mesmo saco.
O ponto de contato entre ambas, sem dúvida, está no recurso à violência como ferramenta política. Quando a moderação é abandonada, quando o diálogo é substituído pela imposição, os extremos se encontram na radicalização dos meios – ainda que os objetivos sejam distintos.
O caso norte-americano
Há casos emblemáticos da ascensão da extrema direita em democracias consolidadas. Trump é o retrato fiel de uma política voltada para trás, centrada em uma ideia mitificada do passado americano. Em seu slogan de campanha “Make America Great Again”, o “again” (de novo) revela esse desejo de regressão a um tempo idealizado – uma época marcada por ordem, prosperidade e respeito internacional, mas que na prática era também um tempo de exclusões sistemáticas.
Essa nostalgia política se traduziu em políticas de segregação e exclusão. Sua hostilidade aberta contra imigrantes latino-americanos ou de fé muçulmana e seu discurso racista e xenófobo constituem uma ruptura da igualdade preconizada pelos fundadores do país. A obsessão pela raça e pelo pertencimento nacional torna-se, então, não apenas perigosa, mas solapadora para a democracia.
Trump, como muitos líderes de extrema direita, mostrou-se incapaz de governar de forma ampla e responsável. Suas decisões estouvadas e sua recusa de aceitar as regras democráticas deixaram os EUA à beira de uma crise institucional. Ainda assim, parte significativa da população parece hipnotizada e inerte diante de seus abusos – fenômeno que inquieta outras democracias pelo mundo.
Brasil: uma história diferente?
No Brasil, um país miscigenado, a noção de “raça” como critério de exclusão perde consistência. É impossível definir os contornos raciais de um povo marcado pela mistura. Isso levou nossa extrema direita a buscar outros marcadores para cumprir papel excludente.
No nosso contexto, a religião tem sido usada como ferramenta de segregação e controle. As denominações neopentecostais foram alçadas ao status de guardiãs da moral nacional, enquanto outras religiões passaram a ser vistas com indiferença ou até com hostilidade. O fato religioso tornou-se combustível para a radicalização e a divisão social.
A violência, antes simbólica, ganhou corpo na sedição do 8 de janeiro. Os líderes da intentona jamais se retrataram de seus atos. A extrema direita brasileira, à semelhança da americana, tem tentado se escorar numa visão messiânica de mundo, com resultados alarmantes.
Apesar das desigualdades persistentes, da violência urbana e da crise política permanente, o Brasil tem algo que, nos últimos anos, mostrou-se vital: instituições que funcionam. Ao contrário dos Estados Unidos, cujo sistema judiciário parece paralisado diante de um presidente que o desafia abertamente, o Brasil conseguiu reagir.
Nos momentos mais críticos, coube ao Judiciário atuar como último bastião à beira da ribanceira. Nossas instituições resistem aos impulsos autoritários e mantêm, com esforço, o país em rota democrática. Diante de tanta desgraça, esse é um fator que não deve ser desprezado.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.